27 de março de 2021

Suez: bloqueio atrasa 9.600 milhões de USD em mercadorias por dia

A previsão meteorológica para terça-feira, 23 de março, mostrava rajadas de vento de mais de 40 milhas por hora e tempestades de areia a varrer o norte do Egito. Na verdade, essas condições meteorológicas são comuns no deserto do Sinai, nesta época do ano.

O Canal de Suez – uma das vias navegáveis ​​mais críticas, porém precárias do planeta – permaneceu aberto a todo o movimento. Os navios estavam a iniciar a formação do comboio diário, à medida que as rajadas aumentavam. Um dos maiores navios porta-contentores do mundo, o Ever Given, integrou-o. A decisão iria repercutir-se, globalmente e de forma dramática, em poucas horas.

Às 7h40, horário local, o mega-navio – carregado  com contentores que, em fila, se estenderiam por mais de 120 quilómetros e tudo transportam, desde peixe congelado a mobiliário – ficou preso. O seu encalhe, não só revelou as dificuldades de fazer navegar um navio do tamanho da Torre Eiffel por uma vala de água artificial, como, também, a fragilidade de uma rede global de mercados e economias, que dá como certo o fluxo de mercadorias através dela.

Com base em informação disponível, dados de rastreamento e dezenas de entrevistas com pessoas do setor, o que se sabe é que o Ever Given iniciou a navegação através do canal de 300 metros de largura enquanto pelo menos um outro navio decidiu adiar a passagem devido ao vento forte. O Ever Given também não usava rebocadores, enquanto os dois porta-contentores (um pouco menores), imediatamente, à frente, o faziam.

Outra questão a colocar será a velocidade a que navegava. Segundo dados de rastreamento por satélite, parecia ir com velocidade superior ao limite estabelecido (8,5 nós). Isso poderá ter cravado o casco mais profundamente na lateral do canal. As rajadas de vento, por outro lado, também teriam agravado a capacidade de governo, numa das travessias de água mais difíceis do mundo.

Segundo um consultor de risco marítimo da Allianz Global Corporate & Specialty, “o canal é tão pequeno e os ventos tão fortes que se tem uma margem de erro muito pequena o que agrava as consequências se ocorrerem erros.”

A Autoridade do Canal de Suez disse que a falta de visibilidade em condições climatéricas adversas levou o navio a perder o controlo e a derivar. Nada mais comentou. A Evergreen Line, sediada em Taiwan, fretador do navio, disse por e-mail que o Ever Given "encalhou acidentalmente após desgovernar devido à suspeita de vento forte repentino".

O gestor comercial do navio, Benhard Schulte Shipmanagement, disse que as investigações iniciais sugerem que o acidente foi causado pelo vento. Uma extensa investigação envolvendo várias agências e contra-partes está em curso. Incluirá entrevistas com os pilotos a bordo e todo o pessoal da ponte e outros tripulantes, disse um porta-voz da empresa.

Enquanto isso, o canal permanece bloqueado e os últimos relatórios de pessoas familiarizadas com os esforços de resgate sugerem que isso se manterá, pelo menos, até quarta-feira.

Um canal por onde passa 12% do comércio mundial; uma média de 50 navios passam pelo Suez, todos os dias, em comboios que começam no início da manhã. O Ever Given começou a sua passagem logo após o amanhecer e embarcou dois pilotos locais da Autoridade do Canal de Suez. Eles vêm a bordo para supervisionar os navios que fazem o trajeto pela hidrovia e que pode levar até 12 horas. Mas as regras de navegação da autoridade estabelecem, claramente, que o capitão, os armadores e os fretadores permanecem responsáveis ​​pelos acidentes.

O capitão do Ever Given era um conhecedor da passagem, com vários anos de experiência de navegação através do Suez, muitas vezes com vento. As empresas de navegação usam os seus capitães mais experientes na rota do Suez, por causa da natureza delicada da viagem.

Mas, o que acabou por acontecer a seguir, trava o equivalente a 9,6 mil milhões de USD diários, em mercadorias, impedindo a sua passagem – dados do Lloyd's List avaliam o tráfego no sentido oeste do canal em cerca de US $ 5,1 mil milhões por dia, enquanto no sentido leste é de cerca de US $ 4,5 mil milhões. Mais de 300 navios que têm a bordo os mais variados produtos estão, agora, presos no impasse. Incluem-se nesse número 41 graneleiros e 24 petroleiros.

O Ever Given desgovernou, encalhou e veio mostrar que as cadeias de abastecimento, em que nós confiamos sem pestanejar, afinal, não estão, assim, tão integradas pelo que a margem de erro é ínfima.

Apenas um único navio, que está onde não devia estar, encravou tudo, e provoca toda esta comoção e impacto em toda a economia marítima e global.

Para o local foram enviados funcionários e investigadores. De imediato foram disponibilizadas escavadoras que tentaram fazer um pequeno canal para ajudar a soltá-lo da margem arenosa. Não chegou. Teremos de esperar pelos novos desenvolvimentos. Apesar dos esforços para libertar o navio, pode levar semanas para o remover, dizem os especialistas.

De uma coisa temos a certeza. A indústria tem de aprender com o acidente. Os navios são cada vez maiores. Só a Evergreen, a operadora do navio, acabou, há dias, de encomendar duas dezenas de meganavios, de mais de 15 mil TEU.

O próximo incidente poderá ser pior...

Fonte principal: Bloomberg

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