31 de março de 2021

E agora, qual foi a razão (melhor, as razões) para o encalhe do Ever Given?

O Ever Given já não está a “tapar o caminho”. Os navios voltaram a passar pelo Canal do Suez. Agora a atenção volta-se para os motivos pelos quais ele encalhou.

Os especialistas embarcaram na terça-feira no enorme navio porta-contentores, que bloqueou a hidrovia vital do Egito e interrompeu o comércio global por quase uma semana, na busca por respostas para uma única pergunta que poderá (vai!) representar biliões de dólares em implicações legais: O que deu errado?

Funcionários do governo egípcio, seguradoras, transportadores e outros, esperam por mais detalhes sobre o que fez com que o mega-navio do tamanho de um arranha-céus tivesse ficado preso no canal estreito, de sentido único, no sul do canal em 23 de março.

Tanto a interrupção do comércio marítimo devido ao encalhe do navio – estimada em 9,7 mil milhões de dólares diários – como os danos físicos provocados pelo incidente (ao navio e ao canal), irão, provavelmente, resultar em prolongadas ações judiciais.

Depois da “culpa ser atribuída”, isso transformar-se em anos de litígio sobre os custos de consertar o navio, consertar o canal e reembolsar aqueles que viram seus embarques de carga interrompidos. E como o navio pertence a uma empresa japonesa, que entregou a sua gestão a uma empresa alemã, é operado por um transportador taiwanês, tem bandeira do Panamá e ficou preso no Egito, a situação, rapidamente, se vai tornar um pântano internacional.

 "Este navio é um conglomerado multinacional", disse o capitão John Konrad, fundador e CEO do site de notícias sobre navegação gcaptain.com.

Os especialistas embarcaram no Ever Given enquanto ele estava fundeado, na terça-feira no Grande Lago Bitter, ao norte do local onde encalhara, com o propósito de encontrar sinais de danos e tentando determinar a causa do encalhe do navio.

Os danos no navio podem ser estruturais, já que esteve preso pelas extremidades durante dias, com o meio do navio a subir e descer com a maré, dobrando-se para cima e para baixo (alquebrando e contra alquebrando) sob o tremendo peso de cerca de 20.000 contentores. Na segunda-feira, quando os trabalhadores fizeram o navio flutuar parcialmente, toda aquela pressão “migrou” para a proa, que funcionou como um ponto de articulação até que o navio, finalmente, se soltou.

O proprietário do navio, a empresa japonesa Shoei Kisen Kaisha Ltd., disse, na terça-feira, que faria parte da investigação, em conjunto com outras partes, embora as não tenha identificado. Também se recusou a discutir as possíveis causas do incidente, incluindo a velocidade do navio e os ventos fortes que o atingiram durante uma tempestade de areia, dizendo que não pode comentar sobre uma investigação em andamento. Relatórios iniciais sugeriam, por outro lado, que o navio sofrera um "blackout", situação, posteriormente, negada pelo gestor técnico do navio.

A empresa diz, ainda, acreditar que os danos ao navio tenham ocorrido, principalmente, na quilha e que é prematuro descortinar, para já, se o navio será reparado no Egito ou em qualquer outro lugar, ou se, eventualmente, irá seguir para seu destino inicial, Roterdão. Essa é uma decisão a ser tomada pelo operador e não pelo armador, disse a empresa.

A Shoei Kisen Kaisha Ltd. está coberta por cerca de US $ 3 mil milhões em seguro de responsabilidade civil através de 13 Clubes de Proteção e Indenização (P&I). Esses clubes são seguradoras mútuas sem fins lucrativos usadas pela grande maioria das empresas de transporte marítimo globais.

A firma jurídica global Clyde and Co. disse que o proprietário do Ever Given, muito provavelmente, pagaria à autoridade do canal do Egito pela assistência já prestada ao navio. A autoridade também poderá vir a multar o Ever Given.

Na segunda-feira, uma flotilha de rebocadores, ajudada pelas marés de equinócio, libertou a proa do Ever Given da margem arenosa do canal, onde estava firmemente alojada desde 23 de março, dando por concluído um evento que chocou o mundo e o manteve em suspenso, para além, do escrutínio e do ridículo que provocou nas redes sociais.

O Ever Given colidiu com a margem de um trecho de via única do canal a cerca de 6 km ao norte da entrada sul, perto da cidade de Suez. Isso forçou alguns navios a tomarem a longa rota alternativa, ao redor do Cabo da Boa Esperança, no extremo sul de África – um desvio de 3.100 milhas (aproximadamente duas semanas de navegação) que custa aos navios centenas de milhares de dólares em combustível e outros custos.

Agora é, pois, o momento para perceber as razões. E, quais são as principais teorias sobre as causas que levaram o Ever Given a ficar preso no Canal do Suez, por seis dias? É o que especulamos, de seguida:

De acordo com a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS III), o Estado de bandeira de um navio é responsável por realizar as investigações sobre acidentes marítimos e relatar as conclusões à Organização Marítima Internacional (OMI). O Ever Given está registado no Registo de Navios do Panamá, portanto, a Autoridade Marítima do Panamá deverá conduzir a sua própria investigação de Estado de bandeira, junto com outras investigações paralelas, provavelmente, lideradas pelo proprietário e gestor do navio e outros.

A Organização Marítima Internacional (OMI) recebeu o Voyage Data Recorder do navio – o equivalente à caixa preta de um avião – e lançou sua investigação na terça-feira, informou a Lloyd's List. A Autoridade do Canal de Suez (SCA) também deve iniciar o seu próprio, em breve, informou a mesma agência.

Não haverá respostas concretas até que todas as investigações sejam concluídas. Mas durante os tumultuosos seis dias em que as autoridades lutaram para fazer reflutuar o navio, uma série de explicações confusas e, por vezes, contraditórias foram apontadas.

Apesar das várias teorias afloradas, em última análise, o acidente poderá ser o resultado de uma mistura de causas simultâneas. Estas são os principais fatores/motivos sugeridos:

Corte de energia a bordo?

Apos o encalhe do Ever Given, a 23 de março, o agente marítimo GAC Egypt publicou uma postagem que dizia: "O navio sofreu um blackout durante o trânsito em direção ao norte". Esta postagem foi apagada no mesmo dia, não tendo ficado clara a razão para o desaparecimento da mesma do site do GAC Egito e a empresa não respondeu ao pedido de comentários dos media.

Mais tarde naquele dia, o SCA anunciou que o navio havia perdido a capacidade de governo, em presença de ventos fortes e uma tempestade de areia, não fazendo menção a uma falha de energia.

Em comunicado, o gestor técnico do navio, a Bernhard Schulte Shipmanagement (BSM), informou que "as investigações iniciais descartavam qualquer falha mecânica, ou do motor, como causa do encalhe", insinuando que não houvera falha de energia.

Vale a pena considerar que o GAC Egito fez outros anúncios errados sobre o Ever Given durante a crise, inclusive dizendo, na quarta-feira que o navio havia sido movido "ao lado" das margens da hidrovia, quando não foi.

Ventos fortes e tempestade de areia

O mau tempo foi uma das primeiras explicações para o encalhe, com a BSM afirmando, em comunicado na quarta-feira passada – um dia depois do encalhe – que o navio "encalhara devido a fortes ventos".

A empresa afretadora do navio, a Evergreen Marine Corp, disse no mesmo dia que "se suspeitava que o navio teria sido atingido por um vento forte repentino, que o fez desviar da rota na hidrovia e, acidentalmente, o levou a atingir o fundo", segundo a agência Reuters.

O tenente-general Osama Rabie, presidente da SCA, também disse na terça-feira que houvera ventos fortes naquele dia.

O Egito está no início de uma temporada chamada Khamsin, um período de aproximadamente 50 dias em que tempestades de poeira inesperadas e poderosas sopram do Saara. O khamsin, por norma, começa em abril, mas sabe-se que se pode iniciar no final de março.

Andrew Kinsey, um ex-capitão de um navio de carga com experiência no Canal de Suez, disse à Bloomberg que pilotar um navio no canal em condições de vento é uma tarefa difícil levando os navios “a rabiar” no canal.

Outros discordam. Sherine Naggar, a presidente da Naggar Shipping Company, disse ao Seatrade Maritime News que os navios de contentores, fortemente carregados, passam com ventos fortes o tempo todo sem problemas. "Para este navio em particular, deve ter sido um erro técnico", disse Naggar.

Rabie, o presidente da SCA, também pareceu contrariado com essa narrativa, num anúncio alguns dias depois, de acordo com o Alarabiya News: "Fortes ventos e fatores climatéricos não foram os principais motivos para o encalhe do navio”.

Ao aflorar um possível corte de energia, Rabie também trouxe uma nova possibilidade à colação.

Ultrapassado o limite de velocidade e outros erros humanos

Na conferência de imprensa de sábado, Rabie disse: "pode ​​ter havido erros técnicos ou humanos", embora não tendo levantado o véu sobre o que poderiam ser.

Mas de acordo com a Bloomberg, a última velocidade conhecida do navio antes do encalhe era de 13,5 nós – muito superior ao limite de velocidade no canal, de cerca de 7,6 nós.

Pode ser uma forma de contornar e lidar com os ventos fortes, disse um capitão com experiência no canal, à Bloomberg. "Acelerar até certo ponto é eficaz", disse ele.

O navio imediatamente atrás do Ever Given – o Maersk Denver – também navegava acima da velocidade máxima antes do encalhe do Ever Given, informou a Bloomberg.

Um porta-voz da Maersk não confirmou esta informação quando contatado pelos media, mas disse: "Todos os nossos capitães estão avisados que devem sempre pesar a segurança e a velocidade."

Ever Given estava sem escolta de rebocadores

Vários navios optaram por não entrar no canal nas condições climatéricas adversas em 23 de março, o dia em que o Ever Given encalhou, informou a Bloomberg. Alguns dos que o fizeram foram auxiliados por rebocadores, segundo a agência. De acordo com as regras de navegação do SCA, a escolta por rebocadores está disponível, mas não é obrigatória, a menos que o SCA o exija, informou a Bloomberg.

O Ever Given era um dos maiores navios que se fez ao canal e não é claro que a escolta de rebocadores tivesse beneficiado a capacidade do navio navegar pelo canal.

O mundo do transporte marítimo observa atentamente e de perto

Na terça-feira, o navio foi fundeado no Lago Bitter, próximo ao Canal de Suez, enquanto as autoridades tentam descobrir se ele está, ou não, apto para navegar e o que fazer com a sua carga, em caso negativo. O navio transporta, agora, cerca de 20.000 contentores.

O resultado das investigações – da Organização Marítima Internacional, lançada terça-feira, e da Autoridade do Canal de Suez, que começou hoje – será acompanhado de perto pelo mundo do transporte marítimo.

Conforme relatado pela Lloyd's List, as seguradoras marítimas estão a preparar-se para uma profusão maciça de reclamações de sinistro, nos quais os detalhes de quem foi, ou de quem não foi, a culpa têm implicações seriamente dispendiosas.

A paralisação sem precedentes, que gerou temores de prolongados atrasos, escassez de mercadorias e aumento dos custos para os consumidores, gerou novas questões sobre a indústria marítima, um fornecedor vital do transporte global, face à procura por parte de um mundo já muito pressionado, devido à pandemia por coronavírus.

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30 de março de 2021

Aviso às transportadoras marítimas: não usem a crise do canal para escalar o preço

As transportadoras marítimas foram avisadas para se não aproveitarem da crise de capacidade resultante do bloqueio do Suez para “agravar os preços” aos seus clientes.

Após relatos de que as companhias marítimas estão a prever aumentos nas taxas spot e novas sobretaxas devido à interrupção, James Hookham, secretário-geral do Global Shippers' Forum (GSF), alertou os carregadores “para serem cautelosos com esse sinal de futuros preços e de exigência de novas sobretaxas”.

Hookham disse: “Este incidente não foi culpa nossa [dos carregadores] e as razões pelas quais os clientes deverão pagar mais, além das atuais taxas de transporte recorde, por mercadorias que serão entregues com atraso e por razões que, em última análise, nada têm a ver com a própria da indústria, devem ser questionadas.

“O setor de transporte marítimo deve ter em perspetiva de que o Suez é um canal no Egito, não uma desculpa para agravar o preço aos seus clientes,” acrescentou.

Enquanto isso, as transportadoras estão ocupadas a recalcular os ETAs dos seus navios afetados pelo bloqueio de seis dias do canal e com destino ao Norte da Europa, num esforço para mitigar o provável congestionamento dos portos.

A acumulação de cerca de 350 navios que aguardavam o trânsito pela hidrovia deve ser anulada até o próximo fim de semana, no entanto, a chegada dos navios porta-contentores atrasados ​​ao norte da Europa pode coincidir com os navios redirecionados pelo Cabo da Boa Esperança.

Os parceiros da THE Alliance desviaram quatro viagens para o leste e duas para o oeste via África durante o bloqueio do Canal de Suez, os parceiros da 2M, Maersk e MSC, redirecionaram seis para o leste e sete para o oeste e a Ocean Alliance redirecionou quatro navios para o leste e quatro para o oeste.

Além disso, fontes conhecedoras e próximas dos operadores confidenciaram, esta manhã, que os parceiros das alianças também estão a considerar reduzir a velocidade de serviço dos navios "além do ponto de não retorno", na viagem através do Cabo, para "permitir algum espaço para respirar" em relação à chegada da carga nos navios atrasados, que ​​agora retomam a rota através do canal.

Os centros de contentores do norte da Europa têm vindo a lutar contra um fluxo muito considerável de importações da Ásia, há quase um ano. A Hapag-Lloyd disse ontem que o congestionamento, na maioria dos portos europeus, estava a “levar a atrasos persistentes e extremos”.

Em Antuérpia, a transportadora informou que havia implementado uma "regra de aceitação de carga de sete dias" – o que, na prática, significa que não aceitaria nenhum contentor de exportação com mais de sete dias de antecipação ao ETA confirmado do navio, nos terminais PSA.

Apenas pelo fato da carga ter reiniciado a sua movimentação, não significa que a indústria possa respirar de alívio. Compreender e monitorizar o congestionamento portuário nas próximas semanas vai nos dizer o quão grandes serão as ondas de choque deste incidente.

E o impacto na cadeia de abastecimento será maior e mais severo se as transportadoras forem obrigadas a cancelar as viagens da Ásia no mês que vem, como efeito indireto dos atuais atrasos de navios no canal.

De acordo com uma fonte de despachantes, já existem grandes lacunas nas opções de transporte de exportação a partir de meados de abril, com as transportadoras a admitir que não há tonelagem disponível para preencher essas lacunas.

De fato, hoje, em comunicado aos clientes, a Maersk alerta os carregadores sobre uma perda de capacidade entre “20% e 30% durante várias semanas”.

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Os marítimos do Ever Given receiam enfrentar ações judiciais por parte do Egito

Em 29 de março, o navio porta-contentores 'Ever Given' que bloqueava o Canal de Suez desde dia 23, foi finalmente reflutuado. Uma equipa de especialistas trabalhou, incansavelmente, para retirar o navio do Canal, para que o tráfego pudesse ser retomado. Como o navio porta-contentores está pronto para sair do Canal, existem algumas preocupações de que a tripulação, composta por 25 nacionais da Índia, possa enfrentar uma ação judicial pelas Autoridades do Canal de Suez.

De acordo com um relatório publicado no Times of India, o governo indiano e as organizações de classe dos marítimos estão preocupados que a tripulação possa enfrentar ações judiciais. Existe a possibilidade de acusação criminal contra os membros da tripulação. Fontes da OIT na indústria de navegação disseram que uma das possibilidades é que alguns dos membros da tripulação, incluindo o capitão, sejam impedidos de viajar e enfrentem prisão domiciliária até que a investigação seja concluída. No entanto, a empresa que gere o navio ainda não emitiu qualquer declaração, sobre os procedimentos legais que a tripulação pode ter que enfrentar.

O capitão Sanjay Prashar, membro do National Shipping Board (NSB), disse: “Em primeiro lugar, é preciso verificar a razão pela qual o navio gigante encalhou. Os fatos podem ser verificados examinando e ouvindo a conversa no gravador de dados da viagem do navio, e pode-se chegar a um entendimento sobre o que causou o acidente”.

Abdulgani Serang, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Marinheiros da Índia (NUSI), disse num tweet que a organização apoia os tripulantes indianos: “O NUSI promete apoio solidário a todos os nossos marítimos indianos a bordo do “Ever Given” acidentado no Canal de Suez. Entrei em contato com eles. Os marítimos estão bem, mas estressados. Eles não estão sozinhos, nós iremos apoiá-los sempre que necessário, da forma que for necessária.”

A Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte (ITF) emitiu um comunicado à imprensa em 29 de março e saudou a notícia de que o Canal de Suez fora desbloqueado. Stephen Cotton, o secretário-geral da ITF, disse: “Congratulamo-nos com a notícia de que o Ever Given foi libertado e o Canal de Suez logo será desbloqueado. Isso é fantástico para o bem de todos os marinheiros deste navio e de outros que estavam esperando transitar pelo Canal de Suez.”

David Heindel, presidente da Seção de Marítimos da ITF, disse que deveria haver uma investigação completa do assunto para avaliar as razões que levaram ao bloqueio da rota do Canal de Suez. Ele acrescentou que é essencial não nos precipitarmos com uma qualquer conclusão até que todos os fatos sejam expostos. “Uma investigação aberta e transparente sobre as circunstâncias que cercam este evento deve ser conduzida, valendo-se das contribuições e conhecimentos necessários da tripulação e respetivos sindicatos. Claro, a indústria precisa aprender todas as lições que surgem desse incidente”, acrescentou.

Heindel disse que, muitas vezes os marítimos são, injustamente, culpados por incidentes no mar, portanto, é obrigatório haver uma investigação adequada. “Quando as investigações são adequadamente conduzidas, podemos recuar e ver os fatores sistemáticos que levaram aos resultados menos bons”, acrescentou. Chamando os marinheiros do navio de heróis, afirmou que eles precisam do apoio de todos.

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