14 de março de 2021

Sucateiros de Chittagong: Aberta a caixa de Pandora?

O Supremo Tribunal permitiu uma viúva a processar a empresa em Londres pela morte do marido, enquanto este trabalhava no desmantelamento de um navio-tanque, em Chittagong.

As companhias de navegação britânicas que vendem navios antigos para desmantelamento a baixo custo, em condições perigosas e de baixa remuneração no Bangladesh, Índia ou Paquistão, podem agora ser processadas, em Londres, por mortes ou ferimentos de trabalhadores.

Na primeira decisão deste tipo, por qualquer tribunal superior, em qualquer parte do mundo, o Supremo Tribunal de Apelo da Inglaterra e País de Gales considerou que uma qualquer empresa de navegação em Londres que venda um navio no sul da Ásia, poderá ter um "dever legal de cuidado" para com os trabalhadores da demolição em Bangladesh, mesmo havendo vários terceiros envolvidos na transação.

A decisão histórica significa que Hamida Begum, cujo marido, Khalid Mollah, morreu em 2018 enquanto trabalhava num navio petroleiro de 300.000 toneladas na praia de Chittagong, poderá agora processar a empresa de navegação Maran (Reino Unido) em Londres.

Porém, ao colocar o foco legal nas práticas ambientais, de saúde e segurança, notoriamente, negligentes em Bangladesh, a decisão do tribunal pode abrir as portas para outros casos e forçar os estaleiros navais asiáticos a melhorar as condições de trabalho.

Esta decisão surge após as decisões de dois outros casos de longa duração, em que comunidades empobrecidas de países de baixo rendimento, também receberam permissão para processar empresas multinacionais ou as suas subsidiárias em Londres, por suposta poluição ou danos ambientais.

No mês passado, o Tribunal Supremo decidiu que um grupo de agricultores e pescadores nigerianos poderia processar a Royal Dutch Shell nos tribunais ingleses, por poluição numa região onde a gigante anglo-holandesa de energia tem uma subsidiária. A Shell argumentou que não era responsável.

Numa outra decisão histórica, o Tribunal Supremo decidiu, em 2019, que os moradores de uma zona na Zâmbia poderiam processar, nos tribunais ingleses o conglomerado de mineração Vedanta, sediado no Reino Unido, por suposta poluição da água local, porque a empresa de mineração tinha o dever de cuidado para com os moradores e, por isso, podia ser responsabilizado.

Estima-se que tenham morrido 216 trabalhadores nos últimos 15 anos nos estaleiros de demolição de Chittagong, incluindo sete, neste ano, até agora. Muitos outros ficaram incapacitados ou gravemente feridos.

O trabalho em Chittagong é conhecido por ser precário, sujo e perigoso, mas as companhias de navegação têm conseguido evitar a responsabilidade mudando a propriedade dos navios no último momento e com recurso a paraísos fiscais e intermediários.

O escritório de advocacia londrino Leigh Day argumentou que o acidente de Mollah era previsível e que a Maran (Reino Unido), que vendeu o navio-tanque para demolição a uma empresa sediada no Dubai, sabia que seria enviado para Chittagong para demolição e deveria ter antecipado o risco de ferimentos de trabalhadores como Mollah. Leigh Day afirmou, ainda, que a indústria de transporte marítimo tira vantagem deliberada das fracas regulamentações do Bangladesh.

Estará aberta a caixa de Pandora?

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