As guerras do bacalhau – foram três e oposeram o R.U. à Islândia

 O contexto longínquo

Tanto a Islândia como o Reino Unido, são nações insulares com forte dependência de alimentos de origem marinha (frutos do mar), parte significativa das suas dietas nacionais. A pesca nas águas do Reino Unido e da Escandinávia já ocorre há centenas de anos. Pescadores nórdicos e ingleses navegam por esses mares em busca de peixe, riquezas e alimentos desde os tempos antigos.

Em 1901, o “poderoso Império Britânico” conseguiu um acordo com a Dinamarca (que na época controlava a Islândia), que limitava o seu território de pesca soberano a apenas três milhas náuticas (mn) da costa. O acordo tinha apenas um período de vigência de cinquenta anos e, à época da sua assinatura, os pescadores britânicos, à volta da Islândia, eram mais um incómodo do que um problema.

A Primeira e a Segunda Guerra Mundial viram diminuições dramáticas na atividade pesqueira devido aos fortes combates no mar; no entanto, a partir da década de 1930, a pesca britânica nas águas islandesas aumentou, consideravelmente, passando a ser um problema, e não apenas um incómodo. No entanto, o acordo que vinculava as águas exclusivas a 3mn estava prestes a expirar, pelo que os islandeses decidiram, simplesmente, aguardar o término do tratado.

O conflito irrompe

A Islândia não foi uma nação independente até 1944. O acordo anterior entre a Dinamarca e os britânicos expirou em 1951, mas a Islândia, sendo uma nação nova e pequena, não queria entrar em disputas sem se sentir preparada.

Em 1958, a Islândia aprovou uma nova lei nacional que expandiu a sua zona económica de 3mn para 12mn. Para o povo islandês, cansado de ver frotas de arrastões britânicos a navegar na sua costa durante todo o ano, parecia uma expansão razoável. Já os britânicos não ficaram felizes.

Não querendo ceder as áreas de pesca lucrativas a uma nação emergente, os britânicos declararam que continuariam a pescar dentro da zona de 12 milhas, sob a proteção de barcos patrulha militares. Começara a 1ª Guerra do Bacalhau, que se estenderia de 1958 a 1961.


A Islândia não podia fugir dos navios patrulha britânicos e foi forçada a assistir à presença dos arrastões estrangeiros nas suas águas, protegidos por “canhão”. Para obstar a isso, a Islândia recorreu a ameaças geopolíticas para atingir os seus objetivos. No auge da Guerra Fria, a Islândia afirmou, categoricamente, que se fossem maltratados pelos “seus ditos aliados”, simplesmente abandonariam a OTAN e mostrariam à URSS uma abertura para ocupar uma posição estratégica valiosa.

As ameaças funcionaram e os britânicos (pressionados pelos americanos e europeus) concordaram com a nova zona económica de 12 mn ao fim de dois anos e meio de patrulhas e abordagens.

Nova guerra do bacalhau, a segunda

A Segunda Guerra do Bacalhau foi um conflito muito mais tenso e violento do que a primeira e duraria de setembro de 1972 a novembro de 1973. Seguindo um padrão semelhante ao que precedeu o primeiro conflito, a Islândia aprovou uma nova lei, expandindo, dramaticamente, a sua zona de pesca exclusiva, de 12 para 50 mn. Embora sendo um aumento de quatro vezes, semelhante ao primeiro, acabou por abranger uma área muito maior.

 

Desta vez, as forças navais islandesas estavam bem mais equipadas para lidar com as intrusões britânicas. A Islândia havia construído navios novos para sua Guarda Costeira e tinham um novo plano: cortar as redes dos pescadores furtivos.

A Islândia dispôs uma frota de patrulhões rápidos que deveriam navegar, de forma rápida, em torno dos pescadores e cortar as redes. Após as redes cortadas, estas afundariam ou flutuariam livres, permitindo que o pescado capturado escapasse. Era um bom plano, mas... subestimaram a agressividade dos navios britânicos.

Tal como na primeira, a Grã-Bretanha mobilizou navios militares para proteger as suas frotas pesqueiras do assédio islandês e foi aí que as coisas começaram a aquecer. Ocorreram várias colisões, uma das quais resultou na morte de um engenheiro islandês.

E pela terceira vez, as relações azedaram

Apenas dois anos depois, em 1975, a Islândia anunciou os seus planos de expandir a sua zona económica exclusiva, de 50 mn para 200 mn, o que, para muitos, era ir longe demais. A Terceira Guerra do Bacalhau estalou em 1975, durou pouco mais de seis meses e resultou em milhões de dólares de prejuízos e avarias.

 

À época da expansão para 200 mn da zona económica exclusiva, a ideia estava a ser lançada nas Nações Unidas para dar esse tipo de proteção a todas as nações costeiras. No entanto, a expansão unilateral proclamada pela Islândia – antes que qualquer negociação pudesse ser feita a nível global – irritou a todos, até o Pacto de Varsóvia.

Os britânicos – que já conheciam a estratégia islandesa de cortar as redes e sair dali, ativaram quase duas dúzias de fragatas, algumas delas com reforços de madeira na proa, para serem usadas em operações de abalroamento, com a intenção de afastar os patrulhas da Guarda Costeira islandesa.

Em vez de ameaçar fazer fogo, simplesmente navegavam e abalroavam os navios, antes que aqueles pudessem cortar as redes. Esse tipo de navegação era extremamente perigoso e causou sérios danos a ambos os lados do conflito. De acordo com os registos, houveram 55 incidentes de abalroamento durante a Terceira Guerra do Bacalhau.

Apesar de toda a confusão e tumulto em alto mar, o resultado foi sempre o mesmo. Os novos limites foram reconhecidos e passaram a ser respeitados.

As lições para a posteridade

Na verdade, as três Guerras do Bacalhau levaram à criação de uma zona de exclusão económica de 200 mn em torno de todas as nações costeiras do mundo. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (conhecida como UNCLOS – United Nations Convention on the Law of the Sea) foi aprovada, sendo aplicada até hoje e foi amplamente influenciada pelos conflitos conhecidos pela Guerra do Bacalhau. Será sempre uma arma a usar contra a depredação piscatória globalizada.

A expansão da zona de pesca exclusiva na Islândia provocou um rude golpe nas indústrias pesqueiras do norte do Reino Unido, trazendo consigo uma desaceleração económica, que ainda afeta algumas das antigas cidades pesqueiras da região.

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