Principais efeitos induzidos pelos movimentos do navio

Robustez do navio

O casco de um navio, sejam quais forem os materiais de construção, deve ser forte o suficiente para suportar todas as cargas que lhe possam ser impostas, tanto por razão do serviço normal, como por condições de mar que possa suportar durante a sua vida.

Ele comporta-se, na realidade, como uma viga, como se de uma única peça se tratasse. Deve, de facto, ter uma reserva de robustez para aguentar cargas excessivas aplicadas, tanto por razão descuidada ou negligente, como pelas cargas causadas por ondas grandes, encapeladas ou excecionais. As últimas apenas são encontradas em raras ocasiões, embora possam ocorrer.

A configuração estrutural – que envolve a disposição do material de construção – bem como a elasticidade do material, deve ser tal que a estrutura não dobre ou flexione, excessivamente, sob as cargas aplicadas. É costume fazer o casco de um navio muito mais rígido do que, digamos, as asas de um grande avião, assim como a fuselagem desse avião também é mais rígida do que as suas asas. No entanto, graças à descoberta de novas ligas metálicas nos últimos anos, os limites severos na flexibilidade do casco têm sido aliviados.

O material deve estar disposto e ser proporcional para que o casco tenha o peso mínimo – ou possa ser construído com o custo mínimo – para desempenhar todas as suas funções de forma aceitável. O conhecimento de como as várias partes irão ser tensionadas, de como as cargas aplicadas são distribuídas entre os vários membros estruturais e de como todos eles trabalham juntos, é essencial para os localizar e proporcionar da forma mais eficaz.

Força e rigidez do casco

A estrutura do navio tem de ser, suficientemente, forte para poder suportar – sem alteração permanente da sua forma, rachaduras ou fraturas:

·       Todas as cargas fixas da sua maquinaria, acessórios e equipamentos, além das cargas resultantes da carga que transporta,  

·       Todas as cargas hidrostáticas e hidrodinâmicas que lhe possam ser impostas, tanto em águas calmas, como em qualquer tipo de mar em que venha a operar.

Será suficientemente rígido se, sob qualquer uma dessas cargas de serviço, não se flexionar ou deformar, excessivamente, de modo a interferir no alinhamento de operação da máquina ou em qualquer outra função, principal ou secundária.

Um hélice de bronze de um navio de alta potência, com lâminas muito finas, pode deformar-se, de tal forma, que ao gerar o impulso, a sua forma e características de propulsão poderão ficar alteradas. Se as suas lâminas ficarem, permanentemente, deformadas, o hélice não é forte, o suficiente, em condições de manobra de emergência.

O movimento vibratório pode atingir picos inaceitáveis ​​se partes específicas da estrutura estiverem em ressonância em razão das forças periódicas aplicadas. É por isso que o chapeamento do leme e do costado de popa são reforçados: para controlar deflexões provocadas pelas forças produzidas pelo hélice. O casco, na proa, também está sujeito aos esforços de tensão e compressão devido ao impacto das ondas; isso também requer reforços extra, chamadas escoas de reforço.

Configurações estruturais

A disposição do material estrutural de um casco e as proporções da sua estrutura, conhecidas como configuração, são as características mais importantes de um casco. O casco de um navio com convés, sendo uma caixa fechada, deve resistir às flexões e torções verticais e laterais, separadamente ou em simultâneo.

Cada casco de navio, tanto acima, como abaixo da linha de água, comporta-se como uma concha estanque, que fornece o volume flutuante necessário. O conjunto, como principal elemento estrutural, forma uma caixa oca. Uma vez que toda esta “caixa” está em compressão para cargas de flexão e grande parte dela está sujeita a cisalhamento por cargas de torção, o casco relativamente fino – fundo, costados e convés – deve ser evitado de entortar, amassar e enrugar quando distender. Isso é conseguido robustecendo-o a intervalos, com armações e longarinas.

Desta forma, um navio de aço moderno, soldado, é constituído por áreas planas ou curvas de chapeamento, reforçadas por membros conhecidos como vigas, vaus ou reforços e apoiados por outros painéis de chapeamento de intersecção. O chapeamento e os reforços trabalham juntos para resistir às cargas normais, como a pressão da água ou carga sobre o convés ou, ainda, cargas no plano do chapeamento, por exemplo, no convés, que atua como a parte superior do casco.

Efeitos prejudiciais das descontinuidades

As várias partes do casco de um navio feitas de material elástico esticam, encurtam, torcem e flexionam, à medida que as cargas externas vão provocando que todo o casco mude de forma. Se as partes adjacentes não puderem deformar, nessa zona, na mesma proporção, os membros mais pesados ​​e rígidos puxam, ou empurram, os mais leves.

O resultado pode ser deformações locais excessivas. Após atingir o limite de fadiga, o metal pode rachar, entortar ou quebrar, nessa zona.

Sistema de Coordenadas e Eixos de Referência

Identificar a localização exata de qualquer parte do navio pode ser uma tarefa aborrecida e difícil. Para isso, é utilizado um sistema de coordenadas pré-determinado.

O ponto de “origem” do navio encontra-se no ponto onde a perpendicular de popa e a linha de base se cruzam. A perpendicular à popa é uma linha vertical que corre ao longo da madre do leme.

A linha de base refere-se ao membro estrutural inferior que forma a base horizontal do navio. Ambas as linhas são imaginárias e servem apenas como diretrizes de referência.

A partir desta origem, os três eixos são determinados pelas três dimensões do navio e fornecem uma definição clara das várias zonas do mesmo:

·       O eixo X corre ao longo do comprimento da popa em direção à proa. As leituras do eixo X raramente assumem valores negativos, a menos que a embarcação tenha sido construída com uma popa que se projete além do leme.

·       O eixo Y corre ao longo da largura ou boca do navio e é positivo para bombordo. As leituras do eixo Y podem ser positivas ou negativas, dependendo se a posição está a bombordo ou estibordo.

·       Por último, o eixo Z corre ao longo da altura da embarcação e é positivo na direção ascendente. Os valores do eixo Z, em geral, nunca se tornam negativos, pois a quilha do navio é considerada o membro mais abaixo.


Usando esses eixos de coordenadas, podemos agora passar a analisar os movimentos de um navio e os seus efeitos.

Os movimentos do navio

Quando os navios navegam em mar aberto, estão submetidos a um grande número de forças em todas as direções. Sejam cargas provocadas pela ondulação, tensões estruturais, forças do vento ou mesmo forças de torção.

No mar, como um qualquer outro corpo que não tenha restrições de movimento, o navio pode ter seis diferentes graus de liberdade direcional. Cada grau de liberdade refere-se à capacidade do corpo de se movimentar, livremente, num sistema tridimensional.

Esses graus de liberdade são seis, divididos por duas categorias: três lineares (ou translacionais) e três rotacionais. Os lineares são:

1.    Levantamento (movimento vertical – eixo Z) – quando as ondas atingem um navio em movimento, isso cria uma diferença nas forças de flutuabilidade e peso e tende a levantar o navio em determinada seção. Esse desequilíbrio de força resulta num movimento para cima e para baixo, comumente, conhecido como subida/descida.

2.    Deriva lateral (movimento transversal – eixo Y) – é o movimento transversal e ocorre quando o navio é atingido por ondas que se deslocam perpendicularmente ao seu movimento. Daí resulta um movimento que balança o navio e tende a deslocá-lo para os lados, de bombordo e estibordo.

Ao contrário do levantamento, a distribuição da força é relativamente uniforme durante este tipo de carga. Este movimento de um lado para o outro cria efeitos de aceleração e desaceleração rápidos, que podem ter consequências prejudiciais para o navio (e carga).

3.    Avanço/Recuo (movimento longitudinal – eixo X) – o movimento longitudinal do navio ocorre devido à rápida aceleração e desaceleração do navio na sua direção longitudinal, quando sobe e desce na vaga. Quando combinado com os outros movimentos do navio, pode ter graves implicações estruturais na integridade do navio.

 

Enquanto nos movimentos translacionais (lineares) cada ponto do corpo se move exatamente na mesma velocidade, nos movimentos rotacionais os diferentes pontos do corpo movem-se a diferentes velocidades (e amplitudes), dependendo da sua posição. Esses movimentos rotacionais surgem de pares de força estabelecidos em diferentes zonas do navio.

Os três movimentos rotacionais do navio são:

1.    Guinada ou cabeceio (rotação vertical – eixo Z) – a rotação que ocorre em torno do eixo Z localizado verticalmente é, em geral, menos prejudicial do que os outros tipos de movimentos do navio. É provocado pela ondulação que atua perpendicularmente ao comprimento do navio. Em geral, é impossível manter um rumo reto na presença de ondas, pelo que haverá sempre uma pequena quantidade de ação de guinada no navio. No entanto, com correções de leme adequadas, é possível reduzir os efeitos da guinada.

2.    Arfagem (rotação transversal – eixo Y) – é a rotação que ocorre em torno de um eixo transversal paralelo ao eixo Y. Essa ação é comum e resulta num movimento de caturrar, para cima e para baixo, da proa e da popa do navio. Este tipo de movimento é criado por ondas que se movem na mesma direção do navio.  Navios longos tendem a ter ângulos de inclinação longitudinal menores, geralmente inferiores a 5⁰, enquanto navios mais curtos podem experimentar ângulos de inclinação superiores, entre 5⁰ a 8⁰.


3.    Balanço ou Rolo (rotação longitudinal – eixo X) – o rolamento é a rotação que ocorre devido à ação da ondulação, em torno de um eixo longitudinal, paralelo ao eixo X, anteriormente definido. Esse tipo de movimento é, em geral, causado por ondas que se movem perpendicularmente à direção do movimento do navio.

Principais efeitos induzidos pelos movimentos do navio

Os movimentos do navio podem desempenhar um papel importante nas forças suportadas pelo mesmo. Podem trazer consequências graves na estabilidade, integridade estrutural e respostas indesejadas do material devido às cargas suportadas. Em geral, os movimentos rotacionais não afetam, drasticamente, o comportamento e as características do navio.

O navio está preparado para lidar com quantidades razoáveis ​​de carga rotacional (força centrífuga). No entanto, o movimento translacional (linear) pode ser uma grande fonte de preocupação, pois resulta em grandes tensões criadas sobre o casco do navio. Além disso, também pode afetar, de forma adversa, a maquinaria e a carga a bordo do navio.

Por exemplo, durante movimentos de levantamento, deriva lateral e rolo, há forte probabilidade dos contentores empilhados a bordo dos navios se puderem soltar, causando avarias graves e perda de propriedade. Embora o balanço longitudinal (arfagem) também possa causar danos, é menos provável, pois exige que as ondas ajam de determinada forma.


Por norma, quando vários tipos de movimentos atuam em simultâneo sobre o navio, provocam uma força rotacional conhecida como torção. Essa força é responsável por criar enormes tensões no casco do navio e é mais comum em porta-contentores mais longos.

Os principais fatores que afetam a resposta do navio a estes movimentos são a sua forma, dimensão e peso. Estes fatores determinam, entre outros, parâmetros importantes, como o centro de gravidade, o centro de flutuação e a boca na linha de água. Esses parâmetros hidrostáticos desempenham um papel importante na determinação de como um navio se comporta sob certas condições de carregamento.

A estrutura de um navio está sujeita a dois tipos básicos de força, nomeadamente, forças estáticas e dinâmicas. As primeiras produzidas pela gravidade, ou seja, as forças exercidas pelo peso e pela pressão da água. As últimas, produzidos por ações como rolar, arfar e levantar/baixar.

Existem cinco tipos principais de tensões longitudinais:

1.    Contra-alquebramento[i] (sagging) – resulta de tensões causadas pela distribuição desigual de peso e flutuabilidade ao longo do casco. Se um navio fica apoiado nas extremidades das cristas das ondas, a tensão exercida por elas na flutuação do navio tenderá a levantar as extremidades, enquanto o centro do navio sofre uma perda de flutuabilidade e tenderá a afundar.

De igual forma, na condição de navio carregado, as forças em presença tendem a exercer um maior esforço de impulsão nas zonas ocas do navio (proa e popa), levando ao mesmo resultado.


2.    Alquebramento (hogging) – Quando a onda passa, ocorre a situação inversa, ou seja, o meio do navio fica apoiado na crista enquanto as duas extremidades pendem sobre as cavas em cada lado. O mesmo efeito verifica-se quando o navio se encontra na condição de vazio, com as extremidades mais pesadas (devido a maquinaria e equipamento) e a zona intermédia vazia.


3.    Forças de cisalhamento[ii] vertical – como um navio mercante tem vários compartimentos ao longo do seu comprimento de casco, pode haver uma diferença de peso da carga nesses compartimentos. As forças de gravidade e flutuação tendem, então, a diferir de compartimento para compartimento e, onde as anteparas transversais se situam, são experimentadas forças de cisalhamento verticais. Isto sucede, em especial, quando um porão está vazio e o adjacente está carregado.


4.    Forças de torção – se um navio é submetido a balanço transversal e longitudinal ao mesmo tempo, tende a torcer longitudinalmente. Estes esforços são conhecidos como tensões ou forças de torção.

 

5.    Caturro ou batida (slamming) – Existe um último tipo de movimento do navio conhecido como caturro ou batida. Refere-se à desaceleração repentina da parte de vante do navio quando depois da quilha, à proa, ficar fora da água e de repente reentra e bate. Golpear com a proa é extremamente comum em mar aberto e exerce uma tremenda força no navio, podendo ser um dos principais motivos para falhas estruturais.

Existem três tipos principais de tensões transversais:

1.    Empenamento – quando um navio se encontra a navegar no mar, a seção transversal tentará distorcer nos cantos devido às tensões de torção/flexão.

2.    Pressão da água – a água atua, perpendicularmente, à superfície do casco submerso e aumenta com a profundidade. Isso produz tensões de colapso que devem ser, convenientemente, projetadas para o casco poder resistir.


3.    Tensões de docagem – quando um navio entra em doca seca, o impulso da água é removido. O casco, pelas laterais da quilha tende a inclinar se para baixo e todo o vigamento fica em tensão. São necessários picadeiros para apoiar o navio e os arranjos são diferentes para cada classe de navio.


Os movimentos de um navio, criados por ação da ondulação, podem ter impactos duradouros no casco e na sua estrutura em geral, podendo separá-la ou cortá-la. Por outro lado, devem ser evitadas cargas pontuais que possam atuar apenas em zonas muito localizadas, fazendo exceder as margens admissíveis de deformação. Nesses casos, a tensão pode quebrar ou cisalhar a estrutura.

 


[i] Ato de contra-alquebrar, verificado quando os extremos do casco de um navio sobem em relação à parte média; é o inverso de alquebramento.



[ii] Força de cisalhamento – fenómeno de deformação, com ou sem fratura, ao qual está sujeito um corpo, quando as forças que atuam sobre ele provocam um deslocamento em planos diferentes, mantendo constante o volume.

 

 


 

 

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