30 de novembro de 2017

Para quando acabar com o desmanche de navios sem reciclagem de materiais perigosos?

Embora os impactos negativos da destruição de navios nas praias do sul da Ásia sejam bem conhecidos, a actual legislação é muito fraca, ou não aplicável, na regulação de tais práticas. Pode ter surgido uma fórmula que poderá acabar com isso.
Em Agosto, a Comissão Europeia divulgou o seu último relatório sobre a viabilidade de um incentivo financeiro para a reciclagem sustentável de navios, um instrumento que, se implementado, poderia mudar o equilíbrio a favor de práticas mais limpas e seguras aprovadas no âmbito da legislação europeia (UE), em vez da opção muito mais popular de desmanchar navios nas praias do Sul da Ásia, com sérios riscos para os trabalhadores e o meio ambiente.
Embora os perigos associados ao “encalhe” nas praias tenham vindo a ser amplamente documentados, esta prática continua inalterada e as regulamentações internacionais ainda não as consegue reprimir ou evitar.
Não é esperado que a Convenção Internacional de Hong Kong para o Reciclagem Segura e Ambientalmente Adequada de Navios (HKC 2009) entre em vigor antes de 2020. Na Europa, o Regulamento Europeu de Reciclagem de Navios (SRR) entrou em vigor no final de 2013, mas a sua aplicação vai ser gradual, por etapas, apenas a partir da data de publicação da lista europeia de instalações de reciclagem de navios, que ainda não foi concluída.
Em resultado, os métodos inseguros e perigosos de reciclagem de navios dominam hoje o mercado, tendo exclusivamente o foco no lucro: é muito mais barato desmanchar os navios dessa forma, em vez de optar por instalações controladas pela UE. Uma nova proposta para lidar com este problema está em preparação e espera-se que dê à Europa a oportunidade de competir com os estaleiros de desmantelamento do sul da Ásia e recuperar o controlo da indústria.
Muitos desses navios contêm materiais perigosos como amianto, bifenilos policlorados (PCBs) e metais pesados.
As principais nações de desmantelamento de navios, como a Índia, Bangladesh e Paquistão, não dispõem das instalações adequadas para desmantelar esses navios de forma segura, decorrendo o trabalho em praias de maré, arrastando derrames de poluentes nas águas, além de sucederem incêndios, explosões e inúmeras violações de direitos humanos. No ano passado, pelo menos 52 trabalhadores perderam a vida em praias de desmantelamento de navios no sul da Ásia, de acordo com o relatório da ONG Shipbreaking Platform, em 2016.
Apesar desses factos amplamente conhecidos, a Índia, a China, o Bangladesh e o Paquistão reciclam, conjuntamente, quase 80% dos navios do mundo.
A UE é o maior mercado desses estaleiros sub-standard, enviando inúmeros navios (contaminados e perigosos) em final de vida para desmantelamento. A Alemanha e a Grécia foram os piores infractores no ano passado: 98% de todos os navios alemães obsoletos acabaram numa praia asiática – cerca de 40% foram desmanchados no Bangladesh, onde as condições laborais e sociais são as mais difíceis do mundo. A Grécia foi responsável pelo maior número absoluto de navios vendidos aos estaleiros de desmantelamento do sul da Ásia em 2016, com 104 navios, no total.
Mas esta não é a única opção. Existem alternativas de reciclagem verde e mais seguras – a única questão que as desfavorece é o custo.
Embora os dados conhecidos e fiáveis ​​sejam escassos, um estudo da DNV GL descobriu que o custo de enviar um navio em fim de vida para ser reciclado numa instalação sustentável é aproximadamente 34% mais elevado – ou seja, um custo extra de € 17 por tonelada de porte líquido – em comparação com a venda para compradores em países asiáticos.
Mesmo os proprietários de navios com bandeira da UE que, segundo a SRR, têm a obrigação de reciclar adequadamente os seus navios, contornam essa exigência reembandeirando os seus navios, pouco antes de os enviar para desmantelamento, numa bandeira de conveniência como Palau, Comores e St Kitts and Nevis. Estes registos estão muitas vezes na lista negra do Memorando de Entendimento de Paris (Paris MoU) – bem como noutras agências internacionais – que visa eliminar a operação de navios sub-standard,. A percentagem de bandeiras da UE em navios no final da vida cai para menos de 8%, de acordo com a ONG Shipbreaking Platform.
“A lacuna está ligada à liberdade, dentro da indústria de transporte, de escolha da bandeira que o proprietário considere apropriada para a embarcação”, diz lngvild Jenssen, fundador e director da ONG Shipbreaking Platform.
"Nós temos vindo a chamar a atenção para o facto dos navios que são vendidos para sucata navegam sob uma bandeira fora da UE. Os navios em final de vida são vendidos através do recurso a compradores que pagam em dinheiro vivo e que são, basicamente, comerciantes de sucata. Eles compram os navios aos armadores, em dinheiro, e depois vendem-nos para os desmanteladores no sul da Ásia”.
A nova proposta centra-se na criação de um novo instrumento financeiro, um incentivo para os armadores.
Essencialmente, eles comprariam uma Licença de Reciclagem de Navios (Ship Recycling Licence - SRL) e, em cada entrada em porto da UE, seria cobrada uma taxa a cada navio. O valor da taxa seria equivalente à diferença monetária entre práticas de reciclagem de sistemas sustentados e de inadequados.
O dinheiro arrecadado seria então canalizado para um fundo de reciclagem dedicado da UE, que pagaria essa taxa aos armadores quando optassem por reciclar os seus navios de acordo com a regulamentação europeia em vigor.
De acordo com um estudo realizado em 2016 pela DNV GL, EcoSys e Erasmus University Rotterdam, este mecanismo arrecadaria fundos aproximados de € 150 milhões por ano nos primeiros 15 anos, contribuindo para a construção de um fundo de € 2,8 mil milhões.
Os seus impactos no mercado de reciclagem de navios começariam a ser observados, aproximadamente, 20 anos após a sua introdução, segundo esse estudo.
As ONG de transportes, os sindicatos e a Organização Europeia dos Portos de Mar (ESPO) publicaram declarações de apoio total a esta proposta.
“Nós argumentamos que, sem um incentivo financeiro, ou um incentivo que não se baseie na jurisdição do Estado do pavilhão, o regulamento de reciclagem da UE será, na realidade, ineficaz”, diz Jenssen. “Se olharmos para qualquer outro sector de gestão de resíduos, como electrodomésticos e electrónicos, há sempre um incentivo financeiro, ou um esquema de retorno vinculado à gestão adequada desses resíduos. E os navios não devem ter tratamento diferente“.
O Comité Económico e Social Europeu chamou-o de “mecanismo financeiro progressivo e vinculatório”, convidando a Comissão Europeia a estabelecer o método.
Entretanto, a Comunidade Europeia de Associações de Armadores (ECSA), a Associação de Armadores Asiáticos (ASA) e a Câmara Internacional de Navegação (ICS) argumentaram que esta “medida fiscal primária” é incompatível com a Convenção sobre o Direito do Mar da ONU (UNCLOS), bem como com as regras da Organização Mundial do Comércio.
“Vemos grandes desafios e muitos obstáculos na transposição prática da ideia do licenciamento”, disse o director dos processos de negócios espanhóis Casper Andersen, que se apresentou adverso ao instrumento financeiro. “Nós só podemos imaginar que os armadores de países terceiros, com o apoio do seu país de bandeira, rejeitarão o pagamento do regime de licença, o que provocará uma tremenda distorção na competitividade dos armadores dinamarqueses, que fazem um terço de todas as suas escalas em portos europeus”.
Na revisão da proposta, publicada em agosto, a Comissão Europeia “reconhece os méritos a uma potencial Licença de Reciclagem de Navios, dizendo que ela representa a opção mais promissora investigada até agora”. No entanto, a Comissão está interessada em esperar e ver se a publicação da lista europeia completa de instalações de reciclagem de navios influenciará o comportamento da indústria, uma vez que marcará a entrada em vigor da SRR na sua totalidade. Actualmente, essa publicação está atrasada devido às inspecções dos locais e instalações não pertencentes à UE que pediram a sua creditação.
Neste momento, a Comissão não tem perspectivas claras sobre quando a lista será publicada na íntegra, ou por quanto tempo os seus efeitos sobre o mercado de navios irão ser analisados, ​​antes que o instrumento financeiro volte a ser alternativa.
Mas a pressão para compensar o equilíbrio em favor da reciclagem sustentável de navios está a aumentar, já que os relatórios de danos ambientais irreversíveis, trabalho escravo e mortes de trabalhadores continuam a suceder, o que tem provocado preocupação em todo o mundo.
Artigo da "Ship Technology Global" - Dezembro 2017

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