Embora os impactos negativos da
destruição de navios nas praias do sul da Ásia sejam bem conhecidos, a actual legislação
é muito fraca, ou não aplicável, na regulação de tais práticas. Pode ter
surgido uma fórmula que poderá acabar com isso.
Em Agosto, a Comissão Europeia
divulgou o seu último relatório sobre a viabilidade de um incentivo financeiro
para a reciclagem sustentável de navios, um instrumento que, se implementado,
poderia mudar o equilíbrio a favor de práticas mais limpas e seguras aprovadas
no âmbito da legislação europeia (UE), em vez da opção muito mais popular de desmanchar
navios nas praias do Sul da Ásia, com sérios riscos para os trabalhadores e o
meio ambiente.
Embora os perigos associados ao “encalhe”
nas praias tenham vindo a ser amplamente documentados, esta prática continua
inalterada e as regulamentações internacionais ainda não as consegue reprimir ou
evitar.
Não é esperado que a Convenção
Internacional de Hong Kong para o Reciclagem Segura e Ambientalmente Adequada de
Navios (HKC 2009) entre em vigor antes de 2020. Na Europa, o Regulamento
Europeu de Reciclagem de Navios (SRR) entrou em vigor no final de 2013, mas a
sua aplicação vai ser gradual, por etapas, apenas a partir da data de
publicação da lista europeia de instalações de reciclagem de navios, que ainda
não foi concluída.
Em resultado, os métodos inseguros
e perigosos de reciclagem de navios dominam hoje o mercado, tendo
exclusivamente o foco no lucro: é muito mais barato desmanchar os navios dessa forma,
em vez de optar por instalações controladas pela UE. Uma nova proposta para lidar
com este problema está em preparação e espera-se que dê à Europa a oportunidade
de competir com os estaleiros de desmantelamento do sul da Ásia e recuperar o
controlo da indústria.
Muitos desses navios contêm
materiais perigosos como amianto, bifenilos policlorados (PCBs) e metais
pesados.
As principais nações de desmantelamento
de navios, como a Índia, Bangladesh e Paquistão, não dispõem das instalações
adequadas para desmantelar esses navios de forma segura, decorrendo o trabalho
em praias de maré, arrastando derrames de poluentes nas águas, além de
sucederem incêndios, explosões e inúmeras violações de direitos humanos. No ano
passado, pelo menos 52 trabalhadores perderam a vida em praias de desmantelamento
de navios no sul da Ásia, de acordo com o relatório da ONG Shipbreaking
Platform, em 2016.
Apesar desses factos amplamente
conhecidos, a Índia, a China, o Bangladesh e o Paquistão reciclam,
conjuntamente, quase 80% dos navios do mundo.
A UE é o maior mercado desses
estaleiros sub-standard, enviando
inúmeros navios (contaminados e perigosos) em final de vida para desmantelamento.
A Alemanha e a Grécia foram os piores infractores no ano passado: 98% de todos
os navios alemães obsoletos acabaram numa praia asiática – cerca de 40% foram desmanchados
no Bangladesh, onde as condições laborais e sociais são as mais difíceis do
mundo. A Grécia foi responsável pelo maior número absoluto de navios vendidos
aos estaleiros de desmantelamento do sul da Ásia em 2016, com 104 navios, no
total.
Mas esta não é a única opção. Existem
alternativas de reciclagem verde e mais seguras – a única questão que as
desfavorece é o custo.
Embora os dados conhecidos e fiáveis
sejam escassos, um estudo da DNV GL descobriu que o custo de enviar um navio em
fim de vida para ser reciclado numa instalação sustentável é aproximadamente
34% mais elevado – ou seja, um custo extra de € 17 por tonelada de porte
líquido – em comparação com a venda para compradores em países asiáticos.
Mesmo os proprietários de navios
com bandeira da UE que, segundo a SRR, têm a obrigação de reciclar
adequadamente os seus navios, contornam essa exigência reembandeirando os seus
navios, pouco antes de os enviar para desmantelamento, numa bandeira de conveniência
como Palau, Comores e St Kitts and Nevis. Estes registos estão muitas vezes na
lista negra do Memorando de Entendimento de Paris (Paris MoU) – bem como noutras
agências internacionais – que visa eliminar a operação de navios sub-standard,. A percentagem de
bandeiras da UE em navios no final da vida cai para menos de 8%, de acordo com
a ONG Shipbreaking Platform.
“A lacuna está ligada à liberdade,
dentro da indústria de transporte, de escolha da bandeira que o proprietário
considere apropriada para a embarcação”, diz lngvild Jenssen, fundador e director
da ONG Shipbreaking Platform.
"Nós temos vindo a chamar a
atenção para o facto dos navios que são vendidos para sucata navegam sob uma
bandeira fora da UE. Os navios em final de vida são vendidos através do recurso a compradores que
pagam em dinheiro vivo e que são, basicamente,
comerciantes de sucata. Eles compram os navios aos armadores, em dinheiro, e
depois vendem-nos para os desmanteladores no sul da Ásia”.
A nova proposta centra-se na
criação de um novo instrumento financeiro, um incentivo para os armadores.
Essencialmente, eles comprariam
uma Licença de Reciclagem de Navios (Ship Recycling Licence - SRL) e, em cada
entrada em porto da UE, seria cobrada uma taxa a cada navio. O valor da taxa
seria equivalente à diferença monetária entre práticas de reciclagem de
sistemas sustentados e de inadequados.
O dinheiro arrecadado seria então
canalizado para um fundo de reciclagem dedicado da UE, que pagaria essa taxa
aos armadores quando optassem por reciclar os seus navios de acordo com a
regulamentação europeia em vigor.
De acordo com um estudo realizado
em 2016 pela DNV GL, EcoSys e Erasmus University Rotterdam, este mecanismo
arrecadaria fundos aproximados de € 150 milhões por ano nos primeiros 15 anos,
contribuindo para a construção de um fundo de € 2,8 mil milhões.
Os seus impactos no mercado de
reciclagem de navios começariam a ser observados, aproximadamente, 20 anos após a
sua introdução, segundo esse estudo.
As ONG de transportes, os
sindicatos e a Organização Europeia dos Portos de Mar (ESPO) publicaram
declarações de apoio total a esta proposta.
“Nós argumentamos que, sem um
incentivo financeiro, ou um incentivo que não se baseie na jurisdição do Estado
do pavilhão, o regulamento de reciclagem da UE será, na realidade, ineficaz”,
diz Jenssen. “Se olharmos para qualquer outro sector de gestão de resíduos,
como electrodomésticos e electrónicos, há sempre um incentivo financeiro, ou um
esquema de retorno vinculado à gestão adequada desses resíduos. E os navios não
devem ter tratamento diferente“.
O Comité Económico e Social
Europeu chamou-o de “mecanismo financeiro progressivo e vinculatório”, convidando
a Comissão Europeia a estabelecer o método.
Entretanto, a Comunidade Europeia
de Associações de Armadores (ECSA), a Associação de Armadores Asiáticos (ASA) e
a Câmara Internacional de Navegação (ICS) argumentaram que esta “medida fiscal
primária” é incompatível com a Convenção sobre o Direito do Mar da ONU
(UNCLOS), bem como com as regras da Organização Mundial do Comércio.
“Vemos grandes desafios e muitos
obstáculos na transposição prática da ideia do licenciamento”, disse o director
dos processos de negócios espanhóis Casper Andersen, que se apresentou adverso ao
instrumento financeiro. “Nós só podemos imaginar que os armadores de países
terceiros, com o apoio do seu país de bandeira, rejeitarão o pagamento do
regime de licença, o que provocará uma tremenda distorção na
competitividade dos armadores dinamarqueses, que fazem um terço de todas as
suas escalas em portos europeus”.
Na revisão da proposta, publicada
em agosto, a Comissão Europeia “reconhece os méritos a uma potencial Licença de
Reciclagem de Navios, dizendo que ela representa a opção mais promissora
investigada até agora”. No entanto, a Comissão está interessada em esperar e
ver se a publicação da lista europeia completa de instalações de reciclagem de
navios influenciará o comportamento da indústria, uma vez que marcará a entrada
em vigor da SRR na sua totalidade. Actualmente, essa publicação está atrasada devido
às inspecções dos locais e instalações não pertencentes à UE que pediram a sua
creditação.
Neste momento, a Comissão não tem
perspectivas claras sobre quando a lista será publicada na íntegra, ou por quanto
tempo os seus efeitos sobre o mercado de navios irão ser analisados, antes
que o instrumento financeiro volte a ser alternativa.
Mas a pressão para compensar o equilíbrio em favor da
reciclagem sustentável de navios está a aumentar, já que os relatórios de danos
ambientais irreversíveis, trabalho escravo e mortes de trabalhadores continuam
a suceder, o que tem provocado preocupação em todo o mundo.Artigo da "Ship Technology Global" - Dezembro 2017
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