Uma pequena vila piscatória em Portugal tornou-se um íman para os surfistas, de ondas grandes, mais destemidos do mundo.
A Nazaré era uma estância balnear que se esvaziava no inverno. Agora é o epicentro do surf de ondas grandes devido às ondas do tamanho de arranha-céus, geradas pelo maior desfiladeiro submarino da Europa.
Todas as pessoas que encontramos na Nazaré nos dizem que as ondas aqui são diferentes: mais pesadas, mais potentes, menos previsíveis, algo ameaçadoras. A zona envolvente à Nazaré sempre foi uma zona temida pelos antigos pescadores. Contam-se vários naufrágios e, até, um submarino alemão da 2ª guerra mundial jaz naquelas águas. A causa desta área instável está bem no fundo do oceano.
A Nazaré, mais concretamente a Praia do Norte (ou a, internacionalmente, conhecida “North Beach”), é o lar das maiores ondas surfáveis do planeta. Há dez anos, esse facto era desconhecido, até na comunidade de ondas grandes. Tudo mudou quando Garrett McNamara, um havaiano de 52 anos, pioneiro desse desporto, em 2011, surfou uma onda monstruosa que media a 23,77 m (78 pés) e entrou no Guinness World Records.
Quando chega o primeiro swell da temporada de surf de ondas grandes, que geralmente vai de outubro a março, a estrada para o forte e as falésias que o cercam enchem-se de milhares de pessoas. Todas elas esperam ter um vislumbre dos melhores surfistas de ondas grandes do mundo a tentar a façanha definitiva da sua profissão: arriscar tudo para surfar nas ondas monstruosas do tamanho de arranha-céus, geradas pelo maior desfiladeiro (canyon) submarino da Europa.
Os habitantes da Nazaré sempre souberam que as suas ondas eram grandes embora, durante gerações, não tivessem ideia das suas reais dimensões. Em dias tempestuosos de inverno, eles iam até o farol para ver o poder do seu rebentar. Toda a zona parecia estremecer, o som estrondoso ecoava pelo promontório. Embora os surfistas locais surfassem na Nazaré, até certo ponto, eles sabiam quando era altura de sair. Eles certamente não sonhariam em enfrentar os monstros que vieram com as grandes ondas.
Atrás do forte está a cidade de Nazaré, com 15.000 habitantes. É um amontoado histórico e atraente de casas brancas de telhados vermelhos, com um funicular que liga a praia às falésias. Como qualquer um se pode lembrar, ela sobreviveu tendo por base duas indústrias: a pesca e o turismo no verão. Até agora, a sua maior reivindicação à fama era que Stanley Kubrick e Henri Cartier-Bresson haviam feito ensaios fotográficos aqui.
Mas a onda – às vezes conhecida como Big Mama – mudou tudo. O inverno já morria na Nazaré: muitos restaurantes nem se dariam ao trabalho de abrir. Agora, com condições confiáveis de outubro a março, a cidade está agitada o ano todo, com surfistas e gente que apenas se quer maravilhar com as maiores ondas do planeta. O forte, propriedade do Ministério da Defesa português, foi aberto ao público, pela primeira vez, em 2014 – compareceram 40.000 pessoas. Em 2019, foram 335 mil, os visitantes.
A história da Nazaré começou há cerca de 150 milhões de anos, quando o oceano Atlântico se formou no período jurássico. Ondas monstruosas, normalmente, acontecem quando a água vai de muito profunda a muito rasa numa curta distância. É por isso que a maioria dos pontos críticos de ondas grandes fica perto de ilhas, como o Havaí e o Taiti.
A Nazaré é uma aberração do continente devido a um vasto desfiladeiro submarino que se estende desde 140 milhas mar adentro até à Praia do Norte – e depois termina, abruptamente. Em alguns pontos, ele tem pelo menos cinco quilómetros de profundidade – três vezes a profundidade do Grand Canyon norte-americano. Ondas monstruosas partem na Praia do Norte há séculos. Com a sua topografia traiçoeira este gigante vale submarino muda a direção e velocidade das ondas de alto mar que ali chegam. Gerações de pescadores locais as temeram.
Na verdade, até recentemente, os profissionais do surf não acreditavam que isso fosse possível. Em 2004, um grupo de surfistas de ondas grandes veio para reconhecer as ondas, mas abortou a sua missão após apenas 90 minutos. Nessa altura, não havia financiamento na Nazaré para comprar os jet skis necessários para fazer face a ondas desta dimensão, grandes demais para o surf de remo. Mesmo se eles os tivessem, eles reconheceram a possibilidade de cair nessas condições, com ondas enormes vindo de todas as direções, o que seria muito perigoso. Um ano depois, o surfista local Dino Casimiro contatou o americano Garrett McNamara. Por razões várias, ele também não veio.
Em 2008, altas esferas do governo local concordaram, pela primeira vez, que a melhor hipótese de prolongar a temporada turística da cidade era capitalizar a anomalia geológica que se estendia à sua porta e que o Instituto Hidrográfico Português estudava desde 1960. A Nazaré tinha sido uma local de férias de verão popular para os portugueses durante séculos, mas quando chegava o dia 31 de agosto, tornava-se uma cidade fantasma da noite para o dia. A sua outra indústria principal, a pesca, também vinha declinando rapidamente.
Depois de mais de dois anos implorando por financiamento, o projeto começou a ganhar impulso. McNamara desembarcou em Portugal em 2010 e, em poucos dias, provou que, com o equipamento certo, as maiores ondas da Nazaré podiam ser surfadas. A questão era: alguém era corajoso – ou louco – o suficiente para tentar?
Mesmo para os padrões do surf de ondas grandes, as ondas da Nazaré são especialmente ameaçadoras. “Uma onda como a Jaws, no Havai, atrai os surfistas porque é uma onda perfeita e há menos riscos envolvidos”, disse o surfista de ondas grandes, nascido em Portugal, Nic Von Rupp, que fez parte do grupo inicial de surfistas que veio para a Nazaré em 2004, quando tinha 14 anos. "Esta é um monstro, um show de horrores. É como olhar para um arranha-céu ou uma montanha; a diferença é que esta vem na tua direção e está ali para te comer vivo. Não tem piedade."
A Nazaré é, tão só, o spot mais confiável do mundo para ondas grandes, hoje em dia. Ao mesmo tempo, será, muito provavelmente também, o lugar mais assustador para surfar. Se um dia alguém conquistar uma onda de 100 pés – o Santo Graal do surf – quase certamente ela acontecerá na Nazaré. Os riscos voltaram a ficar claros em fevereiro, quando o surfista português Alex Botelho arrojou a Praia do Norte. Permaneceu inconsciente e sem pulso por vários minutos, após ser arrastado pelas ondas.
Olá Caro Antonio Costa
ResponderEliminarEstá muito bem este artigo, efectivamente as ondas gigantes geradas pelo canhão da Nazaré mudaram a economia da vila e a vida de quem lá vive.
Com estas mudanças também cresceu o cimento e a especulação imobiliária, nem tudo podia ser rosas.
No final a Nazaré contínua linda e calma, nada se compara à selva de Cascais.
Abraço
Antonio de Lemos
antoniollemos@sapo.pt