18 de outubro de 2016

O impacto dos cruzeiros nas cidades que visitam

A indústria de cruzeiros tende a provocar respostas fortes, alguns a favor e – como se vê pelos recentes protestos em Veneza – outros, frontalmente, contra.
Por um lado, temos os devotos, que descrevem os cruzeiros que já fizeram, como a opção de férias preferida, que têm as suas linhas de cruzeiro, navios e, até, mesmo os seus capitães favoritos. Nada poderá dissuadir estes fãs ardorosos da sua viagem anual – alguns, dos quais, embarcam durante20 ou mais dias, por ano. Em 2014, a Cruise Lines International Association anunciou que dois terços dos passageiros eram repetentes. Por outro lado, muitas pessoas e organizações apresentam-se, ferozmente, contra a indústria, as suas políticas de emprego, o seu currículo na gestão ambiental, a opacidade dos seus regimes de tributação e o impacto do sobredimensionamento dos actuais navios nos seus portos de escala.
No recente protesto em Veneza, os moradores desceram até à água do canal, para protestarem contra os enormes navios de cruzeiro que entram na cidade, através do Grande Canal. Este protesto encerra muitas das críticas contra a indústria, especialmente as linhas com navios capazes de transportar 6.000, ou mais, passageiros e tripulantes.
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Numa cidade como Veneza, que se afunda lentamente, navios tão grandes podem causar maiores danos ao ambiente, contribuindo para a erosão dos canais e terrível impacto sobre o ecossistema frágil. Estes enormes navios sufocam a bela arquitectura da cidade e “descarregam” milhares de passageiros que sufocam os estreitos canais e ruas. Os governantes de Veneza têm-se, reiteradamente, recusado a reconhecer os pedidos para limitar o tamanho e o número de grandes navios, acreditando que um tão número de turistas trará benefícios económicos para a cidade.
O navio que prejudica
A população de Veneza contra os navios de cruzeiro é apenas um exemplo da crescente preocupação sobre a escalada do mercado de massa turístico/marítimo. Cidades e vilas portuárias em todo o mundo começaram a protestar de forma mais vigorosa, sendo Barcelona outro caso recente. No centro destes protestos, especialmente no que diz respeito ao turismo de cruzeiros, está a preocupação de que é económica, social e ambientalmente insustentável.
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As despesas contraídas pelos turistas, de férias na Europa, dividem-se em três partes, mais ou menos iguais, entre alojamento, transporte e outras despesas. No entanto, os que viajam em cruzeiros, viajam “na sua própria acomodação”, removendo, à partida, um terço do potencial rendimento no destino. Um outro terço é afectado porque os passageiros de cruzeiro, muitas vezes, voltam ao navio para almoçar e jantar, por as refeições estarem incluídas no “pacote de cruzeiro”. Na verdade, um número significativo de passageiros nunca sai do navio em porto, preferindo utilizar as amenidades dos navios, em momentos de menor ocupação.
O navio que divide
O impacto social do turismo de cruzeiro depende do tamanho do porto de escala, na medida em que esse destino depende do turismo que os navios de cruzeiro aportem para a receita e do tamanho dos próprios navios em visita.
Uma característica da indústria de cruzeiros é a sua preferência pela a oferta de "ilhas privadas" aos seus passageiros. Enquanto algumas são realmente ilhas, principalmente no Caribe, outras são, na realidade penínsulas costeiras e, como tal, nem são ilhas e, muito menos, privadas. São alugadas pelos governos nacionais para as linhas de cruzeiro os operarem em exclusivo. Isto traz pouco benefício económico aos moradores locais, já que todos os alimentos e bebidas são disponibilizados a partir do navio para as ilhas e praias.
Um desses enclaves, é Labadee, na costa noroeste do Haiti, onde é permitido que um pequeno número de pessoas locais possam vender lembranças, duas vezes por semana, durante a temporada de cruzeiros. Até 50 locais são empregadas como trabalhadores de praia, guias de turismo, artistas ao vivo e funcionárias de limpeza. Este tipo de recursos "imediatamente disponíveis mas sem vínculo", em locais onde os governos procuram lucro a curto prazo, enquanto permitem benefícios significativos aos operadores de cruzeiro, tem pouco a oferecer às comunidades locais e não promovem desenvolvimento, nem coesão social
O navio que polui
A crítica às linhas de cruzeiro na perspectiva ambiental está a crescer devido a preocupações com a poluição e o papel da queima do combustível marítimo na mudança climática. Enquanto os navios de cruzeiro representam apenas 8% do transporte marítimo mundial e os meganavios, recentemente construídos, são capazes de processar totalmente o esgoto e o desperdício de alimentos a bordo, o aumento no mercado de fly-cruise (cruzeiros com ligação aérea aos portos de chegada/partida, normalmente destinos exóticos) significará que as etapas aéreas devem ser incluídas no cálculo do custo real da poluição do turismo de cruzeiros.
A indústria de cruzeiros procura não se envolver ou responder a qualquer crítica. E, embora não seja justo sugerir que esta indústria seja diferente de quaisquer outras entidades comerciais de tamanho similar, é irrefutável que as linhas de cruzeiro são capazes de gerar enormes lucros, porque estão sedeadas em paraísos fiscais como Bermuda, Libéria e no Panamá. Estes registos abertos, vulgarmente conhecidos como bandeiras de conveniência, significa regulamentação mínima no que respeita a custos laborais, normas ambientais e normas de segurança.
Enquanto exigem a aplicação de igual legislação a todo o negócio marítimo, as linhas de cruzeiro dependem fortemente da sua mão-de-obra para satisfazer as elevadas expectativas de serviço dos seus passageiros. Ora, essas mesmas empresas aproveitam qualquer oportunidade que surja, para evitar qualquer legislação que possa oferecer, a esses trabalhadores assalariados, a protecção e segurança no emprego. Esta, é apenas uma de uma longa lista de críticas à indústria, aparentemente relutante em as reconhecer por ela própria. Num mundo que, desde o escândalo Panamá Papers, está cada vez mais consciente destas questões, a indústria não se pode dar ao luxo de ignorá-las por muito mais tempo.
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Os cruzeiros marítimos são uma actividade sustentável?
Nem tudo nos navios de cruzeiro é mau, como é óbvio. Apenas representam uma parte da tendência no turismo de massas que tem democratizado o acesso a viagens e permitiu o acesso a actividades que antes eram reservadas a ricos. Os cruzeiros oferecem a oportunidade para milhões de pessoas se deslocarem ao estrangeiro e conhecerem diferentes culturas. Isto tem o seu mérito e merece ser reconhecido.
Mas o enorme crescimento da indústria está a degradar, rapidamente, os seus destinos – os mesmos que promete serem do paraíso. O seu sucesso financeiro continua a basear-se na sustentabilidade desses destinos. Se a indústria de cruzeiros não assumir a obrigação de se auto-regular, então a comunidade internacional tem a responsabilidade de intervir, tanto para os habitantes locais desses destinos, que dependem do turismo, como para nós mesmos, que como turistas queremos que haja um mundo para ver no futuro.
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