1 de março de 2022

Células cerebrais de porco curam a epilepsia de um leão-marinho

O transplante feito num animal chamado Cronutt aponta para uma nova estratégia no tratamento da epilepsia, embora existam muitas questões em aberto.

As convulsões do paciente estavam a ficar mais graves e cada vez mais frequentes. De um ou dois ataques por mês passou a ter vários ataques por semana. Cada explosão de atividade elétrica descontrolada enviava ondas de choque pelo seu cérebro lesionado, provocando tremores e desorientação. Incapaz de comer, o paciente perdeu quase um terço do seu peso corporal em poucos meses. A sua saúde estava a deteriorar-se rapidamente.

Em outubro de 2020, o paciente – um leão-marinho de sete anos de idade chamado Cronutt – foi submetido a uma cirurgia experimental no cérebro que envolveu o transplante de neurónios de porco saudáveis para o seu hipocampo danificado. Agora, mais de um ano depois do tratamento, Cronutt está livre de convulsões, diz Scott Baraban, neurocientista da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que liderou este esforço. O apetite e o peso de Cronutt regressaram ao normal, e o leão-marinho está mais sociável e a aprender coisas novas, como distinguir entre a esquerda e a direita. Os investigadores dizem que este procedimento abre caminho para uma nova estratégia no tratamento da epilepsia, mas possivelmente vão ser necessários vários anos de investigação até que esta técnica seja testada em humanos.

Karen Wilcox, professora de farmacologia e toxicologia da Universidade de Utah, que não participou no transplante, acredita que a terapia celular desenvolvida por Scott Baraban e pela sua equipa pode um dia oferecer esperança aos pacientes com epilepsia que não respondem aos medicamentos atuais.

“É uma abordagem muito promissora”, diz Karen Wilcox, cujo trabalho de investigação é centrado na epilepsia.

As células que Cronutt recebeu têm como objetivo suprimir a atividade cerebral anormal que dá origem às convulsões. Muitos dos medicamentos atuais para a epilepsia funcionam da mesma forma, mas podem provocar uma série de efeitos secundários desagradáveis que alteram o humor, porque afetam todo o cérebro.

Letárgico e desorientado, Cronutt foi acolhido no Six Flags Discovery Kingdom em Vallejo, na Califórnia, depois de ter ficar encalhado em terra em 2017. O seu cérebro estava danificado devido à exposição ao ácido domóico, uma neurotoxina produzida por algas e pela proliferação de bactérias ao longo da costa norte da Califórnia. Esta toxina acumula-se nos pequenos peixes e crustáceos que os leões-marinhos e outros mamíferos marinhos comem. Em 2014, investigadores de Stanford determinaram que a exposição ao ácido domóico provoca danos cerebrais nos leões-marinhos, danos semelhantes aos observados nos humanos com epilepsia do lobo temporal, a forma mais comum da doença.

Em 2014 também foi documentado um número recorde de 244 casos de envenenamento por ácido domóico em leões-marinhos, durante o auge do chamado Blob, um evento de água quente ao longo da costa oeste do Pacífico, desde o México até ao Alasca.

Em setembro de 2020, a condição de Cronutt era desanimadora. Claire Simeone, juntamente com a equipa veterinária de Six Flags, tentou todos os medicamentos disponíveis: estimulantes de apetite, analgésicos, esteroides, anticonvulsivos. Mas nenhum ajudou.

“Estávamos a ficar sem tempo e precisávamos de fazer algo.”

O mais provável era Cronutt acabar por ser abatido. Porém, num último esforço, Claire Simeone contactou Scott Baraban, que trabalha há anos numa terapia para a epilepsia que envolve o transplante de células cerebrais em estágio inicial colhidas de embriões de porco. Nos ratos, os transplantes de células de porco têm sido eficazes a travar convulsões e na restauração das capacidades físicas e cognitivas. Talvez esta técnica pudesse ser testada em Cronutt, pensou Claire Simeone.

Scott Baraban concordou em ajudar e, em poucas semanas, ambos reuniram uma equipa de neurocirurgiões, investigadores e veterinários para ajudar na operação.

Na manhã de 6 de outubro de 2020, a equipa de 18 elementos reuniu-se em frente a um hospital veterinário perto de São Francisco. Os protocolos da COVID-19 só permitiam um número limitado de pessoas na sala de operações, pelo que Cronutt foi sedado numa maca ainda no parque de estacionamento. Mariana Casalia, neurocientista do laboratório de Scott Baraban, levou as células de porco necessárias para a cirurgia.

Mariana Casalia desenvolveu uma técnica para extrair neurónios precursores especiais – ou células de eminência ganglionar medial – de embriões de porco. Durante o desenvolvimento do cérebro, estas células migram para o hipocampo e transformam-se em neurónios inibitórios, que neutralizam a hiperatividade no cérebro, mantendo um equilíbrio delicado entre a atividade elétrica. No cérebro das pessoas que sofrem de epilepsia, muitos destes neurónios inibitórios estão danificados.

“Estas células, quando são transplantadas para os ratos, curam completamente a epilepsia”, diz Scott Baraban.

Mas Scott Baraban e a sua equipa nunca tinham operado um leão-marinho, apenas pequenos roedores de laboratório. Antes de injetarem as células de porco em Cronutt, os neurocirurgiões tiveram de localizar a origem dos seus ataques. Através de imagens de ressonância magnética e raios-x, examinaram o hipocampo de Cronutt.

A cirurgia, que envolveu a abertura de um orifício no crânio de Cronutt para injetar as células, demorou cinco horas.

Durante o fim de semana que antecedeu a sua cirurgia, Cronutt teve 11 convulsões. Mais de um ano depois, os seus tratadores em Six Flags ainda não observaram um único ataque. Claire Simeone explica que Cronutt é monitorizado de perto para perceber se existem sinais neurológicos que indiquem convulsões, tremores, desorientação, letargia ou problemas motores. Até agora, Cronutt não apresentou qualquer um destes sintomas.

A cirurgia não reverte os danos já provocados no cérebro de Cronutt, mas pode prevenir danos adicionais ao impedir convulsões subsequentes.

Scott Baraban e Claire Simeone esperam poder tratar mais leões-marinhos em cativeiro infetados por ácido domóico, para poderem rastrear a saúde dos animais. Se este procedimento for bem-sucedido, os investigadores esperam conseguir tratar leões-marinhos em centros de reabilitação, que mais tarde serão devolvidos à natureza.

Para além dos mamíferos marinhos, este procedimento é promissor para o tratamento de pessoas com epilepsia que não respondem à medicação.

Fonte : NatGeo

Sem comentários:

Enviar um comentário