26 de abril de 2021

Qual o futuro para os projetos de GNL em Moçambique?

Os recentes ataques à cidade costeira de Palma, Cabo Delgado, nas últimas semanas pela afiliada do Estado Islâmico Ahlu Sunnah Wa-Jamamah (ASWJ), provam o que alguns especialistas em segurança temiam, que a insurgência representa uma ameaça crescente. A ASWJ está a mostrar um especial incremento e sofisticação no domínio marítimo.

O grupo terrorista usou lanchas e afundou um barco de patrulha moçambicano HSI 32 com um RPG na batalha por Mocímboa da Praia no início de setembro de 2020, acabando por assumir o porto que é vital para a prestação de serviços de projetos de energia offshore, observam os avaliadores de risco marítimo Dryad Global.

No dia 24 de março, um dia após a Total ter anunciado a retomada da construção do projeto Mozambique LNG, os insurgentes atacaram e tomaram o controlo de Palma. Quase dois terços da cidade foram destruídos, além de matarem dezenas de civis e forças de segurança de Moçambique, bem como sete estrangeiros.

Com a capacidade marítima demonstrada e a intenção por parte dos insurgentes, combinada com a capacidade limitada da marinha moçambicana, a Dryad Global acredita que o conflito em Cabo Delgado tem potencial para evoluir e constituir-se como um elemento de risco offshore significativo.

Que tipo de organização é a Ahlu Sunnah Wa-Jamamah?

O ASWJ surgiu em Cabo Delgado em outubro de 2017. Ao contrário de uma insurgência tradicional, o ASWJ é amplamente motivado / composto por moradores desfavorecidos e marginalizados de direitos civis, que contestam a propriedade da terra, desalojamento da comunidade nos limites do desenvolvimento do projeto de GNL e de impactos de atividades ilegais tanto, onshore quanto offshore, particularmente, no que se refere a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada (IUU). Desde meados de 2019, a capacidade e intenção do ASWJ de conduzir ataques mais complexos apresenta, cada vez mais, dúvidas significativas de longo prazo para os operadores comerciais em Cabo Delgado, observa a Dryad. Um incidente chave na linha do tempo da sua expansão foi o ataque e subsequente captura da cidade e do porto de Mocímboa da Praia em agosto de 2020, que detêm desde então. O Departamento de Estado dos EUA designou o ASWJ como grupo terrorista em março de 2021.

Resposta de Segurança

O ataque a Palma pela ASWJ, que obrigou as forças de segurança a retirar devido ao uso de armamento pesado, é sintomático da falta de resposta de segurança do governo moçambicano, que tem procurado apoio no sector privado. Depois que o Grupo Wagner russo se retirou de Cabo Delgado na sequência de mortes, a Polícia Nacional de Moçambique contratou o Grupo Consultivo Sul-Africano Dyck (DAG). O DAG treina as forças de segurança locais e fornece apoio aéreo de helicópteros – que, posteriormente, se provou crucial na evacuação de Palma, diz a Dryad na sua análise.

Percebe-se que o Ministério da Defesa de Moçambique celebrou também um contrato concorrencial com o Grupo Paramount que irá fornecer pelo menos 12 viaturas blindadas, 4 helicópteros e formação a militares moçambicanos através da sua empresa parceira, a Burnham Global. Os relatórios indicam que o apoio de helicópteros da DAG terminou a 6 de abril, altura em que seriam rendidos pelos helicópteros fornecidos pela Paramount, com pilotos moçambicanos treinados. A Paramount está, apenas, a entregar os equipamentos e a fornecer treino – pelo que, uma vez entregue ao cliente, Moçambique na posse dos ativos, passará a operá-los.

Outra iniciativa de segurança notável é o Grupo de Trabalho Conjunto de Cabo Delgado, que é uma cooperação entre o Ministério da Defesa e Interior de Moçambique e a gigante petrolífera francesa Total, com o objetivo de garantir a segurança das suas instalações de GNL de $ 20 mil milhões na península de Afungi, a sudeste de Palma. Embora esse acordo tenha garantido com sucesso a proteção dos recursos energéticos, foi criticado por não levar em consideração a segurança da comunidade local, agravando ainda mais as queixas. A comunidade internacional também levantou preocupações sobre a situação em Cabo Delgado e vários países estão a fornecer um apoio modesto para as necessidades. Apesar do envolvimento dessas empresas de segurança privada e iniciativas de proteção, a ASWJ continuou a deter e ganhar território, bem como a causar perdas significativas de vidas, como visto no incidente mais recente em Palma.

Risco marítimo e comparação com outros conflitos

O conflito em Moçambique é, atualmente, predominantemente onshore, afirma a Dryad. Podem ser percebidas semelhanças com cos conflitos vistos na Nigéria, Somália e Iémen. Na Nigéria, os métodos de ataque usados ​​pelo ASWJ são semelhantes aos do Boko Haram, assim como a capacidade demonstrada de controlar o território. O Governo Federal da Nigéria e a força de defesa foram forçados a utilizar um grande número de pessoal e financiamento no esforço para conter o Boko Haram, resultando em falta de recursos, foco e financiamento para questões offshore. Moçambique já comprometeu recursos significativos para combater a ASWJ, embora com sucesso limitado – existe o perigo semelhante de esquecimento do componente mar, em Moçambique. Tal como visto em Cabo Delgado, as comunidades na Somália foram afetadas por questões em torno dos direitos à terra, desemprego, pobreza e atividades ilegais, em terra e no mar, que afetam os meios de subsistência, incluindo pesca IUU e derrames de óleo. Os ‘Reformed Niger Delta Avengers’, na Nigéria, enfrentaram lutas semelhantes a Moçambique em relação à subsistência afetada como resultado das operações de petróleo e gás offshore. Nesse caso, o grupo lançou mão de ataques contra as instalações de petróleo da região, na tentativa de obrigar o governo federal e as petrolíferas estrangeiras a ouvir as suas preocupações e exigências pelo crescimento económico inclusivo da região. Por via disso, permanece uma possibilidade real de que, à medida que a insurgência se desenvolve, grandes projetos apoiados pelo Estado se tornem, provavelmente, o alvo de ataques da ASWJ. Embora a insurgência tradicional permaneça, tipicamente, em terra, a infraestrutura específica dos projetos de GNL na região de Cabo Delgado está localizada no mar, em tudo semelhante ao Delta do Níger. A insurgência em Moçambique poderá seguir um potencial espelhamento da ameaça apresentada pelos rebeldes Houthi no Iémen, cujos ataques são especificamente direcionados contra outros atores ligados ao conflito, como ativos associados ao GNL e mercenários estrangeiros, explica a Dryad. Estes elementos de outros conflitos apresentam paralelismos com as causas profundas e dinâmicas vistas em Moçambique que devem ser consideradas ao avaliar a potencial trajetória futura do conflito.


A dimensão com que a insurgência ASWJ ganha mais força em terra, provavelmente, levantará o véu sobre as suas capacidades offshore, e que poderão desestabilizar, gravemente, o domínio marítimo e levantar sérias preocupações sobre o potencial de Cabo Delgado se tornar o próximo hotspot global de pirataria. Como resultado da relação inerente do conflito às queixas relativas aos rendimentos de GNL, os ativos relacionados a esses projetos estão em risco iminente de serem os alvos preferenciais. Os ativos em risco incluem campos e instalações de gás offshore, bem como tanques de GNL, navios de abastecimento offshore (OSVs) e navios de perfuração. No médio prazo, a ASWJ poderá adotar uma abordagem semelhante à dos rebeldes Houthi e direcionar os ataques a ativos relacionados aos países envolvidos no conflito, como Portugal, os Estados Unidos e a África do Sul. No longo prazo, com capacidades offshore da ASWJ ampliadas, isso poderá resultar no surgimento de pirataria no canal de Moçambique, provavelmente de natureza indiscriminada, para financiar a sua luta. Outra possibilidade é que a pirataria possa surgir junto da comunidade local, em resultado da disparidade económica e da insegurança humana. A incerteza em Cabo Delgado já atingiu um limite que leva os investidores estrangeiros a reconsiderar os seus projetos de GNL e a concentrar-se apenas nas instalações offshore. Isso limitaria o efeito de arrastamento do benefício económico para a comunidade local, agravando, ainda mais, a insegurança e a instabilidade.

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