9 de março de 2018

Por que razão a Cosco, e não a Maersk, poderá ser o único vencedor na logística integrada porta-a-porta

Quando a Maersk anunciou uma relevante reorientação dos seus negócios e combinou os negócios marítimos e logísticos sob um mesmo tecto, o mundo do transporte tomou boa nota. Afinal, mover milhões de contentores em todo o mundo é a principal competência da Maersk, por isso a ideia de uma melhor integração no serviço porta-a-porta, tempos de trânsito garantidos e custos mais baixos agradava, e muito. Por outro lado, havia a questão de se perceber o porquê, de antes do anúncio, uma marca que possuía uma linha de contentores, era operador de terminal e um fornecedor de logística não podia fornecer o mesmo nível de integração.
Os objectivos concorrentes foram, talvez, um dos principais motivos. Em circunstâncias normais, um operador forte como a Maersk pode exigir que o terminal lhe dê janelas preferenciais, descontos por volume e custos mais baixos por movimento. Os terminais, por seu turno, enfrentam custos crescentes com as operações, pelo que defendem vigorosamente os seus preços e as suas margens. O objectivo do fornecedor de logística é dar a oferta mais baixa possível aos seus clientes, pelo que têm uma boa razão para pressionar as várias operadoras para lhe darem o menor preço possível por slot e pressionar os portos para lhe darem o melhor tempo de entrega. Esses objectivos concorrentes têm, agora, de ser reconciliados sob um tecto comum para satisfação de todas as partes interessadas, internas e externas.
Como é que isso funcionará no caso da renovada Maersk? Se o operador permanecer firme nas tarifas, os seus ramos de terminal e logística verão espremidas as suas margens. Se o seu braço de logística mantém taxas baixas para manter os seus clientes felizes, espremerá a margem do operador e forçará o operador a negociar taxas mais baixas ou maiores descontos com os terminais. É um complicado círculo de dependências e impactos. Estabelecer algum tipo de equilíbrio entre os benefícios e as pressões entre os três aspectos da cadeia de transporte, sem dúvida, será um desafio para a equipa de gestão.
Ao contrário de Maersk, a Cosco pode não ter obstáculos organizacionais semelhantes. O objectivo da Cosco, por comparação com a Maersk's, é estabelecer a Cosco como um fornecedor global de serviços de logística integrada e cadeia de abastecimento.
A Cosco Shipping Lines declarou, publicamente, que se quer tornar o maior operador de frota de contentores do mundo, procurando alcançar uma rede de dimensões comparáveis à da Maersk. Muitos dos observadores do mercado acreditam que a transportadora chinesa irá ultrapassar a Maersk nos próximos 10 anos. A estratégia de aquisição de terminais pela Cosco, por sua vez, é sustentada pelo desejo do governo chinês tornar o One Belt One Road bem-sucedido, mesmo que o custo dessas aquisições possa parecer muito elevado. A actual rede de terminais da empresa é cerca de metade da operada pela Maersk, mas o seu crescimento e ambição de presença dá-lhes visibilidade. O nível das operações de logística da Cosco é semelhante ao da Maersk's.
A rede marítima de ambas as operadoras tem dimensão semelhante e é capaz de atingir todos os mercados do mundo.
A Maersk ainda está à frente em número de navios e capacidade total e ambas as operadoras podem continuar a crescer organicamente e através de aquisições. As suas estratégias de crescimento têm-se baseado na liderança de custos. Aos olhos dos seus clientes, eles não podem sacrificar a confiabilidade aos seus objectivos de redução de custos. Embora no caso da Maersk a administração de custos possa ser um foco genuíno durante algum tempo, a Cosco pode não estar sob pressão similar na redução dos seus custos, no curto prazo. Vamos considerá-la como "vantagem temporária" para a Maersk.
A estratégia da rede de terminais de ambas será diferente. Dada a vantagem de dimensão dos terminais APM, o seu foco será optimizar os activos existentes e aumentar a lucratividade, através da adição de pequenas empresas, sem capacidade para exigir descontos significativos e outras exigências. A Cosco, entretanto, terá de gastar dinheiro em ampliação e remodelação de terminais, adequando-os ao século XXI. Poderemos ver a Cosco repetir a aquisição de Piraeus e a optimização subsequente como modelo previsível no futuro. A estratégia da Cosco de investir em terminais ferroviários terrestres na ligação China-Europa tem muita razão de ser. A aquisição do terminal de Khyrgos foi um passo brilhante por si, mas haverá vários outros terminais, ao longo da rota, que serão construídos para poderem desempenhar papéis relevantes, há medida que as linhas laterais, que servem o sul da Ásia e o Médio Oriente, vão sendo construídas. Vamos considerá-lo como "vantagem temporária" para os terminais APM.
Mas ter uma frota e terminais não é suficiente para se tornar um líder em logística integrada e cadeias de abastecimento.
Esse facto, deixa as operações da parte logística terrestre da Cosco e Maersk como motivo de preocupação e no ponto zero de competição entre os dois gigantes. Ambas as operações podem, em princípio, entregar tudo, mas sem a mesma escala global comparada à da sua operadora. Ambos teriam que crescer através de aquisições, porque o crescimento orgânico seria demasiado lento na implementação global de um fornecedor da cadeia de abastecimento. Comprar uma empresa como a Expeditors poderia fornecer a vantagem inicial. Tanto a Cosco quanto a Maersk enfrentarão uma concorrência feroz por parte de outros players estabelecidos e muito maiores, bem como competidores menores, altamente fragmentados, que mantenham relações duradouras estabelecidas com os seus clientes.
A vantagem em fornecer serviços de logística e uma cadeia de abastecimentos de porta a porta baseia-se na rede física de activos altamente automatizados, compreensão detalhada das necessidades dos clientes, de origem ao destino, maior eficiência de toda a rede, visibilidade da cadeia total e a digitalização completa dos processos de negócios. Não obstante a prevalência de papel, ou de meios não digitais, em muitas operações de origem ao destino, a abordagem de ambas as empresas à digitalização tem sido aquém do desejável, embora ambos possuam a base de tecnologia da informação para a construir. Ambas as empresas fornecem recursos físicos de rastreamento e acompanhamento, embora a Maersk tenha uma leve vantagem aqui com o recurso à gestão remota de contentor disponível na última geração dos seus contentores refrigerados. Ambos são capazes de modelar, projectar e executar fluxos de cadeia de fornecimento de ponta a ponta, embora com ferramentas de terceiros. Por último, mas não menos importante, ambas as empresas lançaram iniciativas em torno do blockchain e da inteligência artificial – ingredientes-chave do sucesso em operações de cadeia de fornecimento de desempenho superior. Também, ambos oferecem aos clientes plataformas digitais que permitem a reserva e o pagamento de todos os conjuntos de serviços de frete, embora outros concorrentes estejam mais à frente na digitalização dos processos da última milha e do ponto de entrega. Poderemos imaginar uma aquisição para o preenchimento de lacunas por parte de qualquer das empresas. Haverá, por aí, algumas tecnológicas inovadoras para o efeito.
Se considerarmos que tudo está igual, a diferenciação terá que vir da dimensão e alcance da organização. Isso só pode ser alcançado pela aquisição, idealmente de um grande player já estabelecido. Se a Cosco é o avatar da estratégia de investimento do governo chinês nas ligações de logística global dominantes, então a Cosco estará numa posição muito mais flexível para avançar, rapidamente, na busca de metas promissoras. Sim, haverá confrontos e dores de integrações culturais, mas não maiores do que os enfrentados pela Maersk, que cresce, exactamente, da mesma forma. Com base no facto de que a Cosco tem essa flexibilidade no financiamento da sua expansão global, arrisca-se dizer que a Cosco, e não a Maersk, pode ser o único a vencer no jogo da logística integrada porta-a-porta global.
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