Quando a Maersk anunciou uma relevante reorientação dos seus
negócios e combinou os negócios marítimos e logísticos sob um mesmo tecto, o
mundo do transporte tomou boa nota. Afinal, mover milhões de contentores em
todo o mundo é a principal competência da Maersk, por isso a ideia de uma
melhor integração no serviço porta-a-porta, tempos de trânsito garantidos e
custos mais baixos agradava, e muito. Por outro lado, havia a questão de se perceber
o porquê, de antes do anúncio, uma marca que possuía uma linha de contentores, era
operador de terminal e um fornecedor de logística não podia fornecer o mesmo
nível de integração.
Os objectivos concorrentes foram, talvez, um dos principais
motivos. Em circunstâncias normais, um operador forte como a Maersk pode exigir
que o terminal lhe dê janelas preferenciais, descontos por volume e custos mais
baixos por movimento. Os terminais, por seu turno, enfrentam custos crescentes com
as operações, pelo que defendem vigorosamente os seus preços e as suas margens.
O objectivo do fornecedor de logística é dar a oferta mais baixa possível aos
seus clientes, pelo que têm uma boa razão para pressionar as várias operadoras
para lhe darem o menor preço possível por slot
e pressionar os portos para lhe darem o melhor tempo de entrega. Esses objectivos
concorrentes têm, agora, de ser reconciliados sob um tecto comum para
satisfação de todas as partes interessadas, internas e externas.
Como é que isso funcionará no caso da renovada Maersk? Se o
operador permanecer firme nas tarifas, os seus ramos de terminal e logística verão
espremidas as suas margens. Se o seu braço de logística mantém taxas baixas para
manter os seus clientes felizes, espremerá a margem do operador e forçará o
operador a negociar taxas mais baixas ou maiores descontos com os terminais. É
um complicado círculo de dependências e impactos. Estabelecer algum tipo de
equilíbrio entre os benefícios e as pressões entre os três aspectos da cadeia
de transporte, sem dúvida, será um desafio para a equipa de gestão.
Ao contrário de Maersk, a Cosco pode não ter obstáculos
organizacionais semelhantes. O objectivo da Cosco, por comparação com a
Maersk's, é estabelecer a Cosco como um fornecedor global de serviços de logística
integrada e cadeia de abastecimento.
A Cosco Shipping Lines declarou, publicamente, que se quer tornar
o maior operador de frota de contentores do mundo, procurando alcançar uma rede
de dimensões comparáveis à da Maersk. Muitos dos observadores do mercado
acreditam que a transportadora chinesa irá ultrapassar a Maersk nos próximos 10
anos. A estratégia de aquisição de terminais pela Cosco, por sua vez, é
sustentada pelo desejo do governo chinês tornar o One Belt One Road bem-sucedido,
mesmo que o custo dessas aquisições possa parecer muito elevado. A actual rede
de terminais da empresa é cerca de metade da operada pela Maersk, mas o seu
crescimento e ambição de presença dá-lhes visibilidade. O nível das operações
de logística da Cosco é semelhante ao da Maersk's.
A rede marítima de ambas as operadoras tem dimensão
semelhante e é capaz de atingir todos os mercados do mundo.
A Maersk ainda está à frente em número de navios e
capacidade total e ambas as operadoras podem continuar a crescer organicamente
e através de aquisições. As suas estratégias de crescimento têm-se baseado na
liderança de custos. Aos olhos dos seus clientes, eles não podem sacrificar a
confiabilidade aos seus objectivos de redução de custos. Embora no caso da Maersk
a administração de custos possa ser um foco genuíno durante algum tempo, a
Cosco pode não estar sob pressão similar na redução dos seus custos, no curto
prazo. Vamos considerá-la como "vantagem temporária" para a Maersk.
A estratégia da rede de terminais de ambas será diferente.
Dada a vantagem de dimensão dos terminais APM, o seu foco será optimizar os activos
existentes e aumentar a lucratividade, através da adição de pequenas empresas,
sem capacidade para exigir descontos significativos e outras exigências. A
Cosco, entretanto, terá de gastar dinheiro em ampliação e remodelação de
terminais, adequando-os ao século XXI. Poderemos ver a Cosco repetir a
aquisição de Piraeus e a optimização subsequente como modelo previsível no
futuro. A estratégia da Cosco de investir em terminais ferroviários terrestres na
ligação China-Europa tem muita razão de ser. A aquisição do terminal de Khyrgos
foi um passo brilhante por si, mas haverá vários outros terminais, ao longo da
rota, que serão construídos para poderem desempenhar papéis relevantes, há medida
que as linhas laterais, que servem o sul da Ásia e o Médio Oriente, vão sendo construídas.
Vamos considerá-lo como "vantagem temporária" para os terminais APM.
Mas ter uma frota e terminais não é suficiente para se
tornar um líder em logística integrada e cadeias de abastecimento.
Esse facto, deixa as operações da parte logística terrestre da
Cosco e Maersk como motivo de preocupação e no ponto zero de competição entre
os dois gigantes. Ambas as operações podem, em princípio, entregar tudo, mas sem
a mesma escala global comparada à da sua operadora. Ambos teriam que crescer
através de aquisições, porque o crescimento orgânico seria demasiado lento na implementação
global de um fornecedor da cadeia de abastecimento. Comprar uma empresa como a Expeditors
poderia fornecer a vantagem inicial. Tanto a Cosco quanto a Maersk enfrentarão
uma concorrência feroz por parte de outros players
estabelecidos e muito maiores, bem como competidores menores, altamente
fragmentados, que mantenham relações duradouras estabelecidas com os seus
clientes.
A vantagem em fornecer serviços de logística e uma cadeia de
abastecimentos de porta a porta baseia-se na rede física de activos altamente
automatizados, compreensão detalhada das necessidades dos clientes, de origem ao
destino, maior eficiência de toda a rede, visibilidade da cadeia total e a
digitalização completa dos processos de negócios. Não obstante a prevalência de
papel, ou de meios não digitais, em muitas operações de origem ao destino, a
abordagem de ambas as empresas à digitalização tem sido aquém do desejável, embora
ambos possuam a base de tecnologia da informação para a construir. Ambas as
empresas fornecem recursos físicos de rastreamento e acompanhamento, embora a
Maersk tenha uma leve vantagem aqui com o recurso à gestão remota de contentor
disponível na última geração dos seus contentores refrigerados. Ambos são
capazes de modelar, projectar e executar fluxos de cadeia de fornecimento de
ponta a ponta, embora com ferramentas de terceiros. Por último, mas não menos
importante, ambas as empresas lançaram iniciativas em torno do blockchain e da inteligência artificial –
ingredientes-chave do sucesso em operações de cadeia de fornecimento de desempenho
superior. Também, ambos oferecem aos clientes plataformas digitais que permitem
a reserva e o pagamento de todos os conjuntos de serviços de frete, embora
outros concorrentes estejam mais à frente na digitalização dos processos da
última milha e do ponto de entrega. Poderemos imaginar uma aquisição para o
preenchimento de lacunas por parte de qualquer das empresas. Haverá, por aí, algumas
tecnológicas inovadoras para o efeito.
Se considerarmos que tudo está igual, a diferenciação terá
que vir da dimensão e alcance da organização. Isso só pode ser alcançado pela
aquisição, idealmente de um grande player
já estabelecido. Se a Cosco é o avatar da estratégia de investimento do governo
chinês nas ligações de logística global dominantes, então a Cosco estará numa
posição muito mais flexível para avançar, rapidamente, na busca de metas
promissoras. Sim, haverá confrontos e dores de integrações culturais, mas não
maiores do que os enfrentados pela Maersk, que cresce, exactamente, da mesma forma.
Com base no facto de que a Cosco tem essa flexibilidade no financiamento da sua
expansão global, arrisca-se dizer que a Cosco, e não a Maersk, pode ser o único
a vencer no jogo da logística integrada porta-a-porta global.
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