22 de fevereiro de 2022

Achado numa medusa, alerta-nos que o plástico está em toda a parte

Se observar de perto e com atenção, poderá identificar, facilmente, as palavras Philip Morris International. O nome da empresa tabaqueira pode ser visto na tira translúcida de celofane – que, normalmente, envolve a embalagem de um maço de cigarros – e que foi fotografada no interior do corpo de uma medusa-luminescente, Pelagia noctiluca, encontrada nas águas do mar Mediterrâneo.

Os animais marinhos navegam num campo minado ao tentar evitar o plástico no oceano. Mais de oito milhões de toneladas de lixo plástico acabam anualmente nas águas oceânicas, sendo difícil às criaturas marinhas, como a medusa, evitá-lo.

Em abril último, um estudo publicado na revista Scientific Reports divulgou a primeira evidência de plástico no corpo de uma medusa. 

A medusa foi encontrada nas águas do Mediterrâneo em 2016 por um grupo de cientistas que participava na expedição Aquatilis, uma viagem de pesquisa, com a duração de três anos, levada a cabo com o propósito de explorar os oceanos do planeta. No estudo, os investigadores referiram ter encontrado várias medusas-luminescentes, Pelagia noctiluca, com vários tipos de plástico presos no interior da umbela – parte superior do corpo em forma de campânula – ou nos tentáculos ao longo do corpo. 

A análise dos 20 espécimes capturados ao abrigo da pesquisa permitiu observar que quatro medusas apresentavam lixo plástico no sistema digestivo, levando os cientistas a supor que as medusas tenham confundido o plástico com alimento.

“Pelo que parece, as medusas adoram o plástico”, afirma um dos autores do estudo, Armando Macali, um ecologista da Universidade de Tuscia, em Itália. Macali afirma que ele e os seus colegas estão convencidos de que a medusa não largou o plástico, porque estava a tentar comê-lo.

Estudos anteriores revelaram que são comuns os casos de animais marinhos que consomem lixo plástico. Os cientistas acreditam que os animais consomem detritos plásticos, porque algumas das formas e dimensões desses detritos partilham semelhanças com as suas presas: as tartarugas ingerem sacos de plástico semelhantes a medusas, e os peixes comem plásticos do tamanho de um bago de arroz semelhantes às pequenas presas de que se alimentam.

O plástico do oceano também tem um odor apetitoso para algumas criaturas marinhas. Em 2016, um estudo da revista Science Advances revelou que algumas algas crescem com facilidade no plástico do oceano, e a decomposição deste material liberta um odor designado por dimetilsulfureto que atrai os animais famintos.

Não é clara a razão da atração das medusas pelo plástico, afirma Macali. Ao fim de algum tempo a flutuar nas águas do oceano, o plástico começa a acusar desgaste, e finas películas microbianas tendem a revestir a sua superfície. Macali acredita que estas películas microbianas ou algumas moléculas presentes no processo de decomposição do plástico possam atrair as medusas.

Macali tenciona expor as medusas a vários tipos de lixo plástico em condições laboratoriais, no âmbito de novas experiências. O ecologista acredita que, se os cientistas conseguirem identificar, especificamente, os elementos presentes no plástico que atraem os animais, talvez seja possível trabalhar em parceria com os fabricantes para que produzam plástico menos atrativo para os organismos marinhos.

Os cientistas realçam que é um mau sinal para a saúde da medusa a ingestão de uma tira de celofane. As medusas-luminescentes podem consumir 50 por cento do seu peso corporal, e está provado que a ingestão de plástico em excesso pode conduzir à morte lenta de muitos animais por subalimentação.

Dado que as medusas servem de alimento a muitas outras espécies de animais de maior porte, que navegam nas águas do Mediterrâneo, a presença de lixo plástico nos seus corpos pode ter impactos semelhantes na saúde dos seus predadores. O atum-rabilho, um dos maiores predadores da medusa-luminescente, é capturado com frequência, servindo de alimento a pessoas e animais, o que significa que os fragmentos microscópicos ingeridos pelas medusas podem acabar nos estômagos de espécies de maior porte, incluindo nós, humanos.

É um problema complexo, cuja escala os investigadores ainda tentam perceber, afirma Macali. Compreender a forma como as medusas interagem com o plástico que navega em águas oceânicas será apenas uma peça de um puzzle maior, acrescenta.

“Se queremos entender o destino do plástico no oceano, temos de começar pela base da cadeia alimentar.”

Nota: este artigo foi publicado originalmente em inglês no site da National Geographic.

 

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