As notícias destes últimos dias fazem-nos acreditar que estará disponível uma vacina viável nos próximos meses. 7,8 Mil milhões de pessoas farão fila para serem vacinadas em todo o mundo, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, e todo um novo conjunto de desafios surgirá: aumento da escala de fabrico, adaptação às cadeias de abastecimentos, falsificação e contrafação, questões éticas (quem a ela tem direito primeiro) e muitos mais. É fundamental que nos comecemos a preparar para a disponibilidade de uma vacina COVID-19, respondendo a todas essas questões agora e por antecipação.
1. Comecemos pelo princípio, analisando a quantidade a transportar. Coloquemos duas questões simples, mas que são de enorme complexidade, não só ética (que aqui não discutimos), mas logística:
(a) quem priorizar para a vacinação?
Países ocidentais mais atingidos pela pandemia ou outros? Todos os continentes, por igual? Países de menores recursos financeiros também estão incluídos? Sendo que a 2ª questão pode conjugar com esta…
(b) a toma da eventual vacina deve ser opcional ou obrigatória? Consoante a resposta, haverá menor, ou maior, candidatos à vacina; por outras palavras, o mercado logístico poderá ser menor, ou, mais apetecível (será rentável transportar?).
A cadeia logística global (pipeline logístico) tem, hoje, alicerces estruturais muito eficientes e importantes para fornecer serviços em logística de transporte, procurement, marketing, aduaneiros, armazenagem, distribuição, financeiros e legais e informações tecnológicas. No entanto, esses recursos não estão instalados e servem de forma simétrica e funcional em toda e qualquer parte do mundo. Atrevo-me a dizer que funciona (quase sem falhas) no tráfego este-oeste; no norte-sul, no mínimo, a capacidade instalada será bem inferior.
2. A falsificação é outro desafio da cadeia de abastecimento que, muito certamente, virá a afetar o mercado das futuras vacinas COVID-19. Como todos nós podemos antever, haverá uma penosa escassez, especialmente no início, e a forte procura será muito tentadora para os falsificadores se aproveitarem. Na maioria dos países, ditos desenvolvidos, existem regulamentos e autoridades especializadas para nos proteger de produtos falsificados. Mas, mesmo nesses, o massivo comércio desenvolvido através de plataformas tecnológicas poderá criar verdadeiras “dores de cabeça” e nem todos conseguirão implementar uma identificação e rastreamento de todos os medicamentos em tempo útil (prevê-se que a premência de utilização do medicamento se colocará entre 2021 e 2023).
3. Outro fator de risco envolvido, que não pode ser ignorado, é a segurança das vacinas. Como as vacinas são o anseio atual de quase todas as pessoas no mundo, poderão suceder casos de furto, desvio e adulteração durante o trânsito. Isso exigirá planeamento especial, carregamento seguro e proteção durante toda a sua movimentação. Isso significa que o requisito de padrão logístico para as vacinas deverá estar de acordo com protocolos seguidos na movimentação de bens valiosos como ouro, prata, notas de banco, etc.
4. A revisão dos procedimentos alfandegários e de comércio internacional é imprescindível em grandes zonas do globo para evitar atrasos, lidar com interrupções e fronteiras, ultrapassar possíveis questões nacionalistas e contornar conflitos regionais. Sempre que possível, devem ser implementadas vias verdes aceleradas para agilizar as remessas urgentes de vacinas.
5. Também precisaremos garantir que o envio de itens auxiliares adequados, como seringas, desinfetante e consumíveis associados, ocorra em simultâneo às vacinas. Acresce a necessária abordagem à logística reversa associada, bem como a necessidade de fornecer monitorização precisa e oportuna da inoculação da vacina para as partes interessadas, como fabricantes, ONG’s e governos. As questões ambientais e de sustentabilidade também precisam ser consideradas na distribuição de vacinas, incluindo soluções de embalagem inovadoras, oportunidades de reciclagem e gestão de resíduos no uso de embalagens descartáveis. Do descarte de seringas à reutilização do material de embalagem.
6. Por último, mas não menos importante, as variações de temperatura podem fazer com que a vacina se torne ineficaz, o que significa que as pessoas vacinadas poderiam ficar totalmente desprotegidas à doença. Este desafio menos conhecido, mas altamente crítico para qualquer cadeia de fornecimento de vacinas, está relacionado com a monitorização da temperatura. As vacinas são produtos biológicos, altamente, sensíveis à temperatura. Quase todas as atuais vacinas estão rotuladas para serem armazenadas e transportadas entre os 2° e 8° centígrados (36° e 46° Fahrenheit) em todo o processo, da farmacêutica à aplicação.
As notícias da Pfizer e Arcturus sobre a chegada, em breve, do resultado das suas pesquisas, uma vacina eficaz que previne a doença COVID-19, traz um desafio em tanto: as vacinas serão ultracongeladas, ou seja, transportadas e armazenadas em temperaturas de até -80° C e, portanto, representam um novo desafio logístico para as cadeias de abastecimento médico existentes que, convencionalmente, distribuiem vacinas entre os 2º e 8°C.
O transporte do ponto de fabrico às capitais não será o principal problema. O desafio será quando as vacinas sensíveis à temperatura precisarem ser enviadas para um qualquer lugar e, desse lugar, para determinado país ou região – como as 17.508 ilhas do arquipélago da Indonésia. Será preciso garantir que sejam enviados na temperatura correta e que os seus números de lote sejam rastreados e controlados, para garantir que não sofrem “condições hostis” até ao destinatário final, o indivíduo a vacinar.
A destruição ou redução da eficácia da vacina pode resultar de retenções de carga e atrasos devido a controlo de temperatura deficiente, manuseio impróprio ou documentação incorreta. As variações de temperatura podem fazer com que a vacina se torne ineficaz, pelo que os pacientes não têm como saber se as suas vacinas são realmente eficazes, porque o dano pelo calor é invisível a olho nu. São enormes os desafios que precisam ser superados à medida que uma vacina viável está cada vez mais próxima.
Mas não só; se o transporte a esta temperatura tiver de ocorrer, novo desafio se coloca. Não há, até agora, contentores para as transportar. Existem dois tipos de soluções de embalagem farmacêutica: ativa ou passiva. Um contentor ativo é alimentado para ajustar a temperatura dentro do mesmo para manter a faixa de temperatura especificada. Os sistemas de embalamento passivos não são alimentados, apenas isolados para manter uma faixa de temperatura definida por um tempo especificado.
Mas para a sua construção e utilização futura, em número e qualidade suficientes, a um preço “acessível”, precisamos ter a certeza de que temos contentores para todos os outros medicamentos que viajam e não apenas para as vacinas COVID-19, num período de tempo limitado.
As questões levantadas são, tão só, a ponta do iceberg. É gigantesca a escala e magnitude de uma distribuição global da vacina, amplificada nas regiões entre trópicos, onde os caprichos do clima são mais extremos, com uma base populacional maior e onde uma parte muito considerável da mesma está na metade inferior da escala socioeconómica.
Fonte 1: Estudo DHL / McKinsey – Delivery Of COVID-19 Vaccine
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