21 de abril de 2018

Adaptação genética de “nómadas do mar” explica capacidade invulgar de mergulho (vídeo)

No Sudeste da Ásia há um povo que passa quase toda a sua vida dentro de água. São os Bajau, mais conhecidos como os “nómadas ou ciganos do mar”. Vivem em barcos e fazem mergulho durante várias horas – só com um equipamento tradicional e com pequenos intervalos – para apanhar peixe para a família. A prática destes mergulhos já dura há centenas de anos e chegou-se, agora, à conclusão de que, devido a isso, os Bajau têm uma adaptação genética que resulta de um baço muito maior do que o das outras pessoas. A descoberta publicada agora na revista científica Cell pode ajudar a perceber como o corpo humano responde à falta de oxigénio.
O baço tem um papel central no prolongamento do tempo de mergulho, porque se contrai quando o corpo é submerso e lança glóbulos vermelhos oxigenados na circulação, produzindo um aumento de até 9% no oxigénio que chega às células. A importância deste órgão na capacidade dos humanos se poderem manter mais tempo submersos já era conhecida, mas a relação entre o tamanho desse órgão e a capacidade de mergulho livre nunca tinha sido antes examinada em seres humanos a nível genético.
Num artigo científico de 1990 na revista Journal of Applied Physiology, também já se tinha mostrado que contracção do baço acontecia com um grupo de mergulhadoras japonesas que recolhe pérolas – as ama.
Melissa Ilardo, investigadora da Universidade de Copenhaga e primeira autora do estudo, passou meses na ilha indonésia de Jaya Bakti onde colheu amostras de ADN e fez ecografias aos baços do povo Bajau e dos seus vizinhos "terrestres", os Saluan.. A cientista recolheu saliva e mediu o baço de 59 Bajau, assim como a 34 indivíduos do povo Saluan, vizinhos dos Bajau mas que não se dedicam ao mergulho como eles.
Retira-se, então, do estudo publicado, que o baço dos Bajau tem cerca de 160 centímetros cúbicos, ou seja, é 50% maior do que o das populações vizinhas..
O tamanho do baço é importante devido ao papel que tem durante o mergulho. Quando mergulhamos, o nosso coração bate mais devagar e os vasos sanguíneos nas extremidades contraem-se. Por isso, o baço também se contrai, libertando glóbulos vermelhos mais oxigenados e deixando mais oxigénio disponível na corrente sanguínea. “Um baço maior significa que é libertado mais oxigénio”, frisa-se num comunicado da Cell sobre o trabalho. Já num comunicado da Universidade de Cambridge (Inglaterra), que também teve um investigador envolvido no estudo, acrescenta-se que poderá haver um aumento de 9% de oxigénio, permitindo assim que o tempo do mergulho se prolongue.
O estudo divulgado esta quinta-feira tem implicações na investigação médica, porque pode ajudar a fazer a ligação entre a genética e a resposta fisiológica à hipoxia (privação de oxigénio). Fica claro que o baço desempenha um papel central em prolongar a capacidade de mergulho, já que faz parte daquilo que é conhecido como a resposta "do ser humano ao mergulho", que é accionada para ajudar o corpo humano a sobreviver a um ambiente privado de oxigénio.
A equipa de académicos das universidades de Copenhaga (Dinamarca), Cambridge (Reino Unido) e Berkeley (Estados Unidos), eliminou a possibilidade de que o baço maior fosse, apenas e exclusivamente, uma resposta fisiológica ao mergulho. Estudos complementares feitos aos Bajau, descobriram que este povo tem um gene chamado PDE10A, que os Saluan não têm e que controla os níveis da hormona tireoidiana T4. A glândula tiróide produz, armazena e liberta as hormonas T3 e T4, que regulam o metabolismo.
“Acreditamos que os genes dos Bajau têm uma adaptação que aumenta a hormona T4 da tiróide e, portanto, aumenta o tamanho do baço”, disse Melissa Ilardo.
Esta foi a primeira vez, afirmou, que uma adaptação genética ao mergulho foi encontrada nos humanos, já que "até agora era completamente desconhecido se as populações nómadas marinhas se tinham adaptado genética ou, apenas, fisiologicamente, ao seu estilo de vida extremo".
Os Bajau vagueiam entre a Indonésia, Bornéu, Birmânia e Tailândia, os Bajau (os Moken, como são designados os "ciganos ou nómadas do mar", na Tailândia) são mergulhadores exímios e a maioria nasceu, viveu e morreu no mar e neles já tinha sido estudada outra característica, a superior visão subaquática, mas concluiu-se que era uma resposta ao “treino” gerado pelo modo de vida.
Este não é o primeiro caso de uma tribo que apresenta capacidades físicas que lhes permite sobreviver nos locais mais inóspitos do planeta. Os Sherpas, nos Himalaias, destacam-se por conseguirem subir o Evereste sem recurso a qualquer auxiliar de oxigénio. As pessoas que vivem em lugares com elevada altitude têm uma capacidade pulmonar superior à média da população e desenvolveram músculos mais fortes junto ao coração.
As conclusões do estudo abrem o campo para outras investigações em populações adaptadas a um modo de vida aquático, como as mulheres mergulhadoras haenyeo, da ilha de Jeju, na Coreia do Sul, cuja cultura faz parte desde 2016 da lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO.
Fonte + Vídeo

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