No Sudeste da
Ásia há um povo que passa quase toda a sua vida dentro de água. São os Bajau,
mais conhecidos como os “nómadas ou ciganos do mar”. Vivem em barcos e fazem mergulho
durante várias horas – só com um equipamento tradicional e com pequenos
intervalos – para apanhar peixe para a família. A prática destes mergulhos já
dura há centenas de anos e chegou-se, agora, à conclusão de que, devido a isso,
os Bajau têm uma adaptação genética que resulta de um baço muito maior do que o
das outras pessoas. A descoberta publicada agora na revista científica Cell
pode ajudar a perceber como o corpo humano responde à falta de oxigénio.
O baço tem um
papel central no prolongamento do tempo de mergulho, porque se contrai quando o
corpo é submerso e lança glóbulos vermelhos oxigenados na circulação,
produzindo um aumento de até 9% no oxigénio que chega às células. A importância
deste órgão na capacidade dos humanos se poderem manter mais tempo submersos já
era conhecida, mas a relação entre o tamanho desse órgão e a capacidade de
mergulho livre nunca tinha sido antes examinada em seres humanos a nível
genético.
Num artigo
científico de 1990 na revista Journal of Applied Physiology, também já se tinha
mostrado que contracção do baço acontecia com um grupo de mergulhadoras
japonesas que recolhe pérolas – as ama.
Melissa
Ilardo, investigadora da Universidade de Copenhaga e primeira autora do estudo,
passou meses na ilha indonésia de Jaya Bakti onde colheu amostras de ADN e fez
ecografias aos baços do povo Bajau e dos seus vizinhos "terrestres",
os Saluan.. A cientista recolheu saliva e mediu o baço de 59 Bajau, assim como
a 34 indivíduos do povo Saluan, vizinhos dos Bajau mas que não se dedicam ao
mergulho como eles.
Retira-se,
então, do estudo publicado, que o baço dos Bajau tem cerca de 160 centímetros
cúbicos, ou seja, é 50% maior do que o das populações vizinhas..
O tamanho do
baço é importante devido ao papel que tem durante o mergulho. Quando
mergulhamos, o nosso coração bate mais devagar e os vasos sanguíneos nas
extremidades contraem-se. Por isso, o baço também se contrai, libertando
glóbulos vermelhos mais oxigenados e deixando mais oxigénio disponível na
corrente sanguínea. “Um baço maior significa que é libertado mais oxigénio”,
frisa-se num comunicado da Cell sobre o trabalho. Já num comunicado da
Universidade de Cambridge (Inglaterra), que também teve um investigador
envolvido no estudo, acrescenta-se que poderá haver um aumento de 9% de
oxigénio, permitindo assim que o tempo do mergulho se prolongue.
O estudo
divulgado esta quinta-feira tem implicações na investigação médica, porque pode
ajudar a fazer a ligação entre a genética e a resposta fisiológica à hipoxia
(privação de oxigénio). Fica claro que o baço desempenha um papel central em
prolongar a capacidade de mergulho, já que faz parte daquilo que é conhecido
como a resposta "do ser humano ao mergulho", que é accionada para
ajudar o corpo humano a sobreviver a um ambiente privado de oxigénio.
A equipa de
académicos das universidades de Copenhaga (Dinamarca), Cambridge (Reino Unido)
e Berkeley (Estados Unidos), eliminou a possibilidade de que o baço maior fosse,
apenas e exclusivamente, uma resposta fisiológica ao mergulho. Estudos
complementares feitos aos Bajau, descobriram que este povo tem um gene chamado
PDE10A, que os Saluan não têm e que controla os níveis da hormona tireoidiana
T4. A glândula tiróide produz, armazena e liberta as hormonas T3 e T4, que
regulam o metabolismo.
“Acreditamos
que os genes dos Bajau têm uma adaptação que aumenta a hormona T4 da tiróide e,
portanto, aumenta o tamanho do baço”, disse Melissa Ilardo.
Esta foi a
primeira vez, afirmou, que uma adaptação genética ao mergulho foi encontrada
nos humanos, já que "até agora era completamente desconhecido se as
populações nómadas marinhas se tinham adaptado genética ou, apenas,
fisiologicamente, ao seu estilo de vida extremo".
Os Bajau vagueiam
entre a Indonésia, Bornéu, Birmânia e Tailândia, os Bajau (os Moken, como são
designados os "ciganos ou nómadas do mar", na Tailândia) são
mergulhadores exímios e a maioria nasceu, viveu e morreu no mar e neles já
tinha sido estudada outra característica, a superior visão subaquática, mas
concluiu-se que era uma resposta ao “treino” gerado pelo modo de vida.
Este não é o
primeiro caso de uma tribo que apresenta capacidades físicas que lhes permite
sobreviver nos locais mais inóspitos do planeta. Os Sherpas, nos Himalaias,
destacam-se por conseguirem subir o Evereste sem recurso a qualquer auxiliar de
oxigénio. As pessoas que vivem em lugares com elevada altitude têm uma
capacidade pulmonar superior à média da população e desenvolveram músculos mais
fortes junto ao coração.
As conclusões do estudo
abrem o campo para outras investigações em populações adaptadas a um modo de
vida aquático, como as mulheres mergulhadoras haenyeo, da ilha de Jeju, na
Coreia do Sul, cuja cultura faz parte desde 2016 da lista do Património
Cultural Imaterial da UNESCO.Fonte + Vídeo
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