Durante séculos, pensamos no
oceano como inimaginavelmente vasto e imutável, como um mar de oportunidades,
gerando frotas de pesca e linhas de navegação, construindo a riqueza das nações
marítimas. O oceano sustenta fundamentalmente as populações e os alimentos de
muitos estados costeiros e insulares, e sempre foi assim.
Mas os mares não são
ilimitados, tampouco os seus recursos. Não podemos, impunemente, extrair todos
os peixes nem despejar os nossos resíduos no mar. O oceano não pode absorver todo
o CO2 da atmosfera sem consequências para sua própria saúde – e para a nossa
também.
A corrida para a exploração
oceânica continua, seja a mineração em águas profundas, ou a capitalização de
carbono azul e novas oportunidades de biotecnologia. A água parece profunda e
convidativa para muitos, e a inovação nas indústrias marítimas é abundante.
Alguns dos principais inovadores, empreendedores e tomadores de decisão do
mundo estiveram reunidos no World Ocean Summit em Abu Dhabi, este mês, para
discutir esse mar de oportunidades, essa oportunidade de criar uma
"Economia Azul".
Então, o que é uma economia
azul? É uma visão do futuro onde os humanos tiram mais do oceano do que até
agora? É uma maneira de garantir que a comida e o dinheiro derivados do oceano
sejam compartilhados de forma mais igualitária? É um conjunto de princípios que
orienta as decisões de nossos governos e líderes da indústria? Em certo
sentido, a Economia Azul é tudo isso, mas é precisamente esse conjunto de coisas
que representa, em simultâneo, uma oportunidade e um risco para a
biodiversidade marinha.
Embora a história da
Economia Azul, originalmente concebida como uma versão aquática do conceito de
Economia Verde, seja complexa, as suas raízes estão no entendimento de que os
sistemas da humanidade não podem crescer indefinidamente. Que os problemas da
pobreza, da injustiça e do declínio da biodiversidade não podem ser enfrentados
isoladamente. Que o nosso mundo só sobreviverá se todos nós – de indivíduos a
superpotências globais – fizermos mais com menos. Que um planeta saudável forma
a base de uma raça humana próspera.
No entanto, enquanto a
Economia Verde – cortesia de seu próprio nome – está directamente associada à
sustentabilidade, vemos o termo economia azul a ser sequestrada para
representar todas as indústrias marinhas – sejam elas sustentáveis e
ambientalmente conscientes, ou não. Surgiu um sentido para o "crescimento
azul"; uma visão na qual os recursos económicos são mobilizados para a extracção
sem limites do oceano, em que as indústrias marinhas se expandem
indefinidamente e em que os governos asseguram que as leis apoiam em vez de
limitar essa transição.
Essa mudança de “verde” para
“azul” representa um risco real de valorizar apenas o que podemos mercantilizar
ou explorar quando, de facto, os serviços fundamentais que o oceano fornece não
podem ser plasmados numa qualquer folha de cálculo ou balanço. Dever-se-á, de preferência,
adicionar uma advertência e falar sobre uma economia azul sustentável.
Desafiamos todos os que se reuniram em Abu Dhabi a reconhecer e a basear-se
nesse princípio.
O oceano representa a
fronteira final para exploração e inovação. Também tem capacidade para absorver
e armazenar carbono. Mas a sua capacidade para nos fornecer e responder às nossas
necessidades é limitada e será prejudicada se procurarmos ganhos económicos de
curto prazo às custas da saúde oceânica. Ao promover uma economia azul,
corremos o risco de expor essa última e vasta fronteira selvagem à exploração
desenfreada. Precisamos equilibrar a exploração com a protecção e a nutrição dos
nossos oceanos, caso contrário, não podemos sustentar os benefícios que eles nos
oferecem a todos. As áreas marinhas protegidas são a chave para manter o
equilíbrio e permitir a recuperação, e para colher a riqueza do oceano com uma
mão, precisamos investir na sua resiliência com a outra; devemos manter esse
equilíbrio.
Na Fauna & Flora
International, acreditamos que a economia mais azul é a principal propriedade
do oceano local, onde os movimentos populares da sociedade civil abrem caminho a
oceanos e pessoas saudáveis, apoiados por tomadores de decisão corporativos e
governamentais que entendem a determinação e a paciência necessária para o conseguir.
Acreditamos, ainda, que
algumas actividades – tais como formas destrutivas de dragagem ou extracção
mineral em águas profundas, ou quaisquer outros meios desajustados de extracção
desnecessária ou indevida de vida marinha – não podem, de boa-fé, ser
consideradas compatíveis com a Economia Azul em qualquer estrutura económica
sustentável, por representarem ameaças demonstráveis – ou, nalguns casos,
ainda indefinidas – ao funcionamento dos pilares fundamentais da saúde
oceânica.
Em suma, acreditamos que uma
economia azul sustentável fará a diferença positiva – para as pessoas e para o
oceano – apenas se limitar o crescimento insustentável, for construída a partir
do zero e assumir nos seus pressupostos a protecção da biodiversidade marinha. Não
podemos permitir que a agenda da Economia Azul seja sequestrada pelos
interesses económicos-marítimos.
Texto de Daniel Steadman, especialista técnico marinho na Fauna & Flora International
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