Em 2012, o fundo de capitais de
risco dos EUA, Elliot Capital, detentor de títulos soberanos em dívida por
parte da República Argentina, fez manchetes nos mídia ao arrestar o navio de
treino naval argentino ARA Libertad, no Gana, com mais de 250 cadetes a bordo.
Cinco anos depois, a lembrança do estratagema da Elliot fez soar as sirenes de
alarme nos círculos do transporte marítimo, já que a petrolífera estatal
Petróleos de Venezuela (PDVSA) está à beira do incumprimento das suas
obrigações de pagamento da dívida.
A Hedge Funds tem vindo a comprar
títulos PDVSA por cêntimos de dólar, convencida de que a empresa venezuelana
ainda cumpra, embora com atraso, sendo que podem, em última instância, lucrar
com o aproveitamento dos seus activos. No início de Novembro, a PDVSA efectuou
o pagamento de um dos seus créditos em atraso, mas o evento desencadeou uma
remuneração acessória de permutas de activos devido ao incumprimento.
A agência de rating S & P declarou a PDVSA em “padrão de incumprimento" e a Fitch afirmou ter aberto um
procedimento de classificação “padrão de
incumprimento“. A PDVSA, actualmente, tem cerca de US $ 28 mil milhões em
dívidas pendentes, decorrendo uma nova purga entre os seus quadros executivos,
com o presidente venezuelano Nicolas Maduro a nomear, recentemente, um general
(sem experiência no sector petrolífero) como novo ministro do petróleo, com o
pelouro da PDVSA.
Apesar das dificuldades, a PDVSA
continua a ser uma substancial fonte de negócio global para a indústria
marítima de transporte de petróleo, para além da empresa possuir um enorme
potencial de futuro, uma vez que as maiores reservas de petróleo do mundo se
encontram nas fronteiras da Venezuela. A PDVSA continua a ser um importante
fornecedor dos Estados Unidos e fonte crescente de abastecimento à China. Com
tudo isto em equação, quão preocupado devem estar os armadores de serem
apanhados no fogo cruzado entre os detentores de títulos de dívida e a estatal
PDVSA?
Entre vários advogados marítimos
contactados pela Fairplay, existe o consenso de que os interesses dos navios
que transportam cargas de petróleo da Venezuela não são susceptíveis de sofrer
represálias, mesmo no caso dos detentores de títulos de dívida apresentarem
acções judiciais agressivas contra a PDVSA. Já, por outro lado, os advogados
acreditam que os interesses dos navios com exposição a créditos (de transporte)
à PDVSA enfrentam um sério risco.
O incumprimento de obrigações do
serviço da dívida que desencadeia pagamentos de seguro de crédito pode não
levar a procedimento judicial visando os activos do devedor. Para que ocorra
procedimento judicial, os detentores de títulos da PDVSA com pelo menos 25% da
dívida de uma dívida incobrável teriam que pedir ao fiduciário do vínculo que
processasse a PDVSA (quase todos os títulos da PDVSA estão sujeitos à lei de
Nova York com provisões cruzadas por insolvência e sem cláusulas de acção
colectiva). Se um agente fiduciário de títulos da PDVSA avançasse, os riscos
tangenciais para os interesses dos navios com crude carregado na Venezuela
dividir-se-iam em duas categorias: pré-julgamento e pós-julgamento.
De acordo com o direito
"Almirantado" é, relativamente, fácil para um credor interpor uma
acção de arresto ou penhora pré-julgamento contra um navio ou a sua carga. Mas
os detentores de títulos da PDVSA não poderão reivindicar de acordo com o "Almirantado"; em vez disso, teriam
que prosseguir quaisquer acções de pré-julgamento contra a PDVSA segundo a
ordem jurídica do Estado do Texas, onde as acções de pré-julgamento são muito
mais complicadas e onerosas de prosseguir do que sob a ordem jurídica do
"Almirantado".
De acordo com um sócio da Watson,
Farley & Williams (WFW), "muita gente está a pensar no caso argentino,
onde decorreram acções contra o governo. Mas este caso [PDVSA] é
diferente".
Se os detentores de títulos de
dívida da PDVSA apresentassem pedidos de penhora pré-julgamento num tribunal
estadual dos EUA, teriam que provar a existência, de alguma forma, acto ilícito
por parte da PDVSA e o êxito de tais pretensões seria muito mais limitado do
que com o direito marítimo comum. “Mas, teriam sempre de provar a subtracção de
bens ou fraude e não a simples falha no pagamento de uma nota de dívida",
disse ele.
Um cenário mais provável é que os
credores promovam processo judicial à PDVSA em caso de insolvência e, em
seguida, prossigam com acções de cobrança depois da obtenção de uma sentença. “Se os credores
obtivessem uma qualquer sentença em julgamento contra a PDVSA e se esse
julgamento tivesse sido no Texas ou na Louisiana, um credor da sentença poderia
pedir ao tribunal que impusesse medidas contra a propriedade pertencente ao
devedor”, explicou Roger Heward, sócio da Norton Rose Fulbright.
Mas mesmo que os detentores de crédito
obtivessem uma sentença favorável, eles ainda enfrentariam dificuldades em receber
da PDVSA e muito improvável que o ónus recaia sobre os navios. A PDVSA não
possui activos de transporte que operem em águas internacionais. Possui,
apenas, equipamentos de perfuração e rebocadores que operam no mercado interno.
A PDVSA possui cargas de petróleo bruto que são enviadas para águas
internacionais a bordo de petroleiros fretados. No entanto, seria legalmente
difícil para os detentores de títulos de crédito arrestarem essas cargas.
Os credores teriam, primeiro, de
provar que a carga era de propriedade da PDVSA. “Descobrir, hoje, quem é
detentor de uma carga de petróleo não é fácil”, segundo a mesma fonte. “Esse
conhecimento não é público e uma carga pode mudar de mãos várias vezes, antes
mesmo de ser carregada no navio e durante a viagem”.
Seria muito difícil e arriscado os
credores assumirem que, apenas porque uma carga veio da Venezuela, é da
propriedade da PDVSA. A PDVSA poderá, até, vender o óleo FOB [livre a bordo]. Uma
vez que o navio saia da Venezuela já não está a transportar carga da PDVSA. E
mesmo no caso em que o petróleo não seja vendido à partida das águas
venezuelanas, o governo da Venezuela poderia, sempre, argumentar que é dono do
petróleo, não a PDVSA.
Mesmo que os credores conseguissem
penhorar com sucesso uma carga de petróleo da PDVSA, no Texas ou na Louisiana, isso
não seria um problema significativo para os interesses do navio. Neste caso, o
que se arrestaria não era o navio, mas a carga, pelo que o armador tem o
direito de exigir que a contraparte faça os arranjos para descarregar a carga para
terra, o que acarreta despesa e torna esta táctica pouco atraente para o
requerente. A logística é muito difícil e o credor pode ficar enredado com
grandes custos de transacção para descarregar a carga e manter a custódia sobre
a mesma. De acordo com Heward, “o tribunal seria bastante relutante em fazer
qualquer coisa que prejudicasse um terceiro inocente, ou seja, o armador.
Em vez disso, é muito mais
provável que os credores adoptem estratégias que visem os fluxos de pagamentos
em dinheiro devido à PDVSA pelos compradores de petróleo nos EUA. Poderão,
também e provavelmente, processar a empresa refinadora da PDVSA, a Citgo (que é
possuída em 49,9% pela russa Rosneft).
Assi, os interesses dos navios
envolvidos no transporte de petróleo bruto PDVSA parecem ter pouco a se
preocupar com o lobby credor. No
entanto, o transporte marítimo enfrenta outros impactos significativos devido
ao problema PDVSA noutras duas frentes: alteração de rotas e risco de contas e
recebimentos.
No que diz respeito aos fluxos
comerciais, a mesma crise financeira que está a colocar os pagamentos dos
títulos da dívida PDVSA em perigo está a restringir os volumes de produção e
exportação da Venezuela, levando à exportação de cargas para fora dos Estados
Unidos e para a Ásia. A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou que a
produção da Venezuela caiu para apenas 1,91 milhão de barris por dia (bpd) em
Outubro, abaixo dos 240 mil bpd de anos anteriores e assinalando o nível mais
baixo em três décadas.
O petróleo pesado exportado pela
Venezuela é enviado para três destinos principais, onde as refinarias estão preparadas
para lidar com esse tipo de matéria-prima: Estados Unidos, China e Índia. Em
resultado dos problemas financeiros da PDVSA, as importações de petróleo
venezuelano por parte dos EUA estão a cair e as da China – que tem acordos de
petróleo por pagamento de empréstimos com a PDVSA – encontra-se em alta.
Se a situação financeira da PDVSA
se deteriorar – e se os detentores de dívida acabarem por accionar os
pagamentos em dinheiro por parte dos compradores de petróleo dos EUA – poderá
acelerar a mudança para as vendas asiáticas, onde as cargas são enviadas em
troca de dívidas. Isto será positivo para a procura por petroleiros devido às
distâncias muito maiores a percorrer. Uma viagem de um navio-tanque entre a
Venezuela e a China é quase seis vezes maior do que uma viagem da Venezuela
para Houston.
O reverso da medalha é que a procura
por mais petroleiros para maiores distâncias está a sero compensada, negativamente,
pelos menores volumes a transportar à medida que as exportações venezuelanas vão
diminuindo. Os Estados Unidos estão a substituir as importações venezuelanas
com recurso aos oleodutos canadianos, o que representa um sinal negativo para a
procura por petroleiros. Além disso, existem sinais preocupantes de que os
embarques venezuelanos para a China também poderão estar a reverter e a cair,
de novo. Embora possa ser um pontual, a China importou apenas 214,950 bpd de
petróleo venezuelano em Outubro, de acordo com dados da IHS Markit, a média
mensal mais baixa desde Outubro de 2014.
Além de alterar os padrões de
comércio, outra consequência da crise financeira da PDVSA é um risco crescente
de que as contrapartes de frete e transporte não serão pagas. PDVSA é uma
presença significativa nos mercados spot
e charter.
A ameaça de incumprimento nos
pagamentos de taxa de frete ficou evidente no decurso batalha legal entre a russa
Sovcomflot e a estatal venezuelana, que se iniciou em 2016 e levou à recente
decisão de arbitragem de Londres, que envolveu o navio-tanque Moscow Stars, obrigando
à venda das 50 mil toneladas de petróleo bruto que o navio transportava para
pagamento de valores de frete vencidos ao armador, que havia colocado uma
penhora sobre a carga.
Acredita-se que, à luz da actual
situação financeira da PDVSA, qualquer empresa que tenha navio contratado sob
carta-partida à PDVSA estará, na prática, a operar os seus navios a crédito.
Outra preocupação para os
armadores envolve as sanções dos EUA contra a Venezuela, decretados através de
uma ordem executiva do presidente dos EUA, Donald Trump, em Agosto. De acordo
com as novas regras, as entidades dos EUA não podem fornecer novos créditos à
PDVSA. Não só isso torna a reestruturação da dívida muito mais difícil, como
acrescenta um novo risco potencial para as contrapartes de transporte em
relação à PDVSA.
O risco está no facto de uma
empresa de transporte com ligação aos Estados Unidos fornecer uma prorrogação ao
pagamento de frete ou ressarcimento decorrente de carta-partida, poder ser
interpretado como a provisão de novo crédito, o que colocaria o armador em
violação das sanções impostas.
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