5 de dezembro de 2017

Como a dívida da PDVSA poderá afectar a indústria de transporte de petróleo em bruto

Em 2012, o fundo de capitais de risco dos EUA, Elliot Capital, detentor de títulos soberanos em dívida por parte da República Argentina, fez manchetes nos mídia ao arrestar o navio de treino naval argentino ARA Libertad, no Gana, com mais de 250 cadetes a bordo. Cinco anos depois, a lembrança do estratagema da Elliot fez soar as sirenes de alarme nos círculos do transporte marítimo, já que a petrolífera estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) está à beira do incumprimento das suas obrigações de pagamento da dívida.
A Hedge Funds tem vindo a comprar títulos PDVSA por cêntimos de dólar, convencida de que a empresa venezuelana ainda cumpra, embora com atraso, sendo que podem, em última instância, lucrar com o aproveitamento dos seus activos. No início de Novembro, a PDVSA efectuou o pagamento de um dos seus créditos em atraso, mas o evento desencadeou uma remuneração acessória de permutas de activos devido ao incumprimento.
A agência de rating S & P declarou a PDVSA em “padrão de incumprimento" e a Fitch afirmou ter aberto um procedimento de classificação “padrão de incumprimento“. A PDVSA, actualmente, tem cerca de US $ 28 mil milhões em dívidas pendentes, decorrendo uma nova purga entre os seus quadros executivos, com o presidente venezuelano Nicolas Maduro a nomear, recentemente, um general (sem experiência no sector petrolífero) como novo ministro do petróleo, com o pelouro da PDVSA.
Apesar das dificuldades, a PDVSA continua a ser uma substancial fonte de negócio global para a indústria marítima de transporte de petróleo, para além da empresa possuir um enorme potencial de futuro, uma vez que as maiores reservas de petróleo do mundo se encontram nas fronteiras da Venezuela. A PDVSA continua a ser um importante fornecedor dos Estados Unidos e fonte crescente de abastecimento à China. Com tudo isto em equação, quão preocupado devem estar os armadores de serem apanhados no fogo cruzado entre os detentores de títulos de dívida e a estatal PDVSA?
Entre vários advogados marítimos contactados pela Fairplay, existe o consenso de que os interesses dos navios que transportam cargas de petróleo da Venezuela não são susceptíveis de sofrer represálias, mesmo no caso dos detentores de títulos de dívida apresentarem acções judiciais agressivas contra a PDVSA. Já, por outro lado, os advogados acreditam que os interesses dos navios com exposição a créditos (de transporte) à PDVSA enfrentam um sério risco.
O incumprimento de obrigações do serviço da dívida que desencadeia pagamentos de seguro de crédito pode não levar a procedimento judicial visando os activos do devedor. Para que ocorra procedimento judicial, os detentores de títulos da PDVSA com pelo menos 25% da dívida de uma dívida incobrável teriam que pedir ao fiduciário do vínculo que processasse a PDVSA (quase todos os títulos da PDVSA estão sujeitos à lei de Nova York com provisões cruzadas por insolvência e sem cláusulas de acção colectiva). Se um agente fiduciário de títulos da PDVSA avançasse, os riscos tangenciais para os interesses dos navios com crude carregado na Venezuela dividir-se-iam em duas categorias: pré-julgamento e pós-julgamento.
De acordo com o direito "Almirantado" é, relativamente, fácil para um credor interpor uma acção de arresto ou penhora pré-julgamento contra um navio ou a sua carga. Mas os detentores de títulos da PDVSA não poderão reivindicar de acordo com o  "Almirantado"; em vez disso, teriam que prosseguir quaisquer acções de pré-julgamento contra a PDVSA segundo a ordem jurídica do Estado do Texas, onde as acções de pré-julgamento são muito mais complicadas e onerosas de prosseguir do que sob a ordem jurídica do "Almirantado".
De acordo com um sócio da Watson, Farley & Williams (WFW), "muita gente está a pensar no caso argentino, onde decorreram acções contra o governo. Mas este caso [PDVSA] é diferente".
Se os detentores de títulos de dívida da PDVSA apresentassem pedidos de penhora pré-julgamento num tribunal estadual dos EUA, teriam que provar a existência, de alguma forma, acto ilícito por parte da PDVSA e o êxito de tais pretensões seria muito mais limitado do que com o direito marítimo comum. “Mas, teriam sempre de provar a subtracção de bens ou fraude e não a simples falha no pagamento de uma nota de dívida", disse ele.
Um cenário mais provável é que os credores promovam processo judicial à PDVSA em caso de insolvência e, em seguida, prossigam com acções de cobrança depois da obtenção de uma sentença. “Se os credores obtivessem uma qualquer sentença em julgamento contra a PDVSA e se esse julgamento tivesse sido no Texas ou na Louisiana, um credor da sentença poderia pedir ao tribunal que impusesse medidas contra a propriedade pertencente ao devedor”, explicou Roger Heward, sócio da Norton Rose Fulbright.
Mas mesmo que os detentores de crédito obtivessem uma sentença favorável, eles ainda enfrentariam dificuldades em receber da PDVSA e muito improvável que o ónus recaia sobre os navios. A PDVSA não possui activos de transporte que operem em águas internacionais. Possui, apenas, equipamentos de perfuração e rebocadores que operam no mercado interno. A PDVSA possui cargas de petróleo bruto que são enviadas para águas internacionais a bordo de petroleiros fretados. No entanto, seria legalmente difícil para os detentores de títulos de crédito arrestarem essas cargas.
Os credores teriam, primeiro, de provar que a carga era de propriedade da PDVSA. “Descobrir, hoje, quem é detentor de uma carga de petróleo não é fácil”, segundo a mesma fonte. “Esse conhecimento não é público e uma carga pode mudar de mãos várias vezes, antes mesmo de ser carregada no navio e durante a viagem”.
Seria muito difícil e arriscado os credores assumirem que, apenas porque uma carga veio da Venezuela, é da propriedade da PDVSA. A PDVSA poderá, até, vender o óleo FOB [livre a bordo]. Uma vez que o navio saia da Venezuela já não está a transportar carga da PDVSA. E mesmo no caso em que o petróleo não seja vendido à partida das águas venezuelanas, o governo da Venezuela poderia, sempre, argumentar que é dono do petróleo, não a PDVSA.
Mesmo que os credores conseguissem penhorar com sucesso uma carga de petróleo da PDVSA, no Texas ou na Louisiana, isso não seria um problema significativo para os interesses do navio. Neste caso, o que se arrestaria não era o navio, mas a carga, pelo que o armador tem o direito de exigir que a contraparte faça os arranjos para descarregar a carga para terra, o que acarreta despesa e torna esta táctica pouco atraente para o requerente. A logística é muito difícil e o credor pode ficar enredado com grandes custos de transacção para descarregar a carga e manter a custódia sobre a mesma. De acordo com Heward, “o tribunal seria bastante relutante em fazer qualquer coisa que prejudicasse um terceiro inocente, ou seja, o armador.
Em vez disso, é muito mais provável que os credores adoptem estratégias que visem os fluxos de pagamentos em dinheiro devido à PDVSA pelos compradores de petróleo nos EUA. Poderão, também e provavelmente, processar a empresa refinadora da PDVSA, a Citgo (que é possuída em 49,9% pela russa Rosneft).
Assi, os interesses dos navios envolvidos no transporte de petróleo bruto PDVSA parecem ter pouco a se preocupar com o lobby credor. No entanto, o transporte marítimo enfrenta outros impactos significativos devido ao problema PDVSA noutras duas frentes: alteração de rotas e risco de contas e recebimentos.
No que diz respeito aos fluxos comerciais, a mesma crise financeira que está a colocar os pagamentos dos títulos da dívida PDVSA em perigo está a restringir os volumes de produção e exportação da Venezuela, levando à exportação de cargas para fora dos Estados Unidos e para a Ásia. A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou que a produção da Venezuela caiu para apenas 1,91 milhão de barris por dia (bpd) em Outubro, abaixo dos 240 mil bpd de anos anteriores e assinalando o nível mais baixo em três décadas.
O petróleo pesado exportado pela Venezuela é enviado para três destinos principais, onde as refinarias estão preparadas para lidar com esse tipo de matéria-prima: Estados Unidos, China e Índia. Em resultado dos problemas financeiros da PDVSA, as importações de petróleo venezuelano por parte dos EUA estão a cair e as da China – que tem acordos de petróleo por pagamento de empréstimos com a PDVSA – encontra-se em alta.
Se a situação financeira da PDVSA se deteriorar – e se os detentores de dívida acabarem por accionar os pagamentos em dinheiro por parte dos compradores de petróleo dos EUA – poderá acelerar a mudança para as vendas asiáticas, onde as cargas são enviadas em troca de dívidas. Isto será positivo para a procura por petroleiros devido às distâncias muito maiores a percorrer. Uma viagem de um navio-tanque entre a Venezuela e a China é quase seis vezes maior do que uma viagem da Venezuela para Houston.
O reverso da medalha é que a procura por mais petroleiros para maiores distâncias está a sero compensada, negativamente, pelos menores volumes a transportar à medida que as exportações venezuelanas vão diminuindo. Os Estados Unidos estão a substituir as importações venezuelanas com recurso aos oleodutos canadianos, o que representa um sinal negativo para a procura por petroleiros. Além disso, existem sinais preocupantes de que os embarques venezuelanos para a China também poderão estar a reverter e a cair, de novo. Embora possa ser um pontual, a China importou apenas 214,950 bpd de petróleo venezuelano em Outubro, de acordo com dados da IHS Markit, a média mensal mais baixa desde Outubro de 2014.
Além de alterar os padrões de comércio, outra consequência da crise financeira da PDVSA é um risco crescente de que as contrapartes de frete e transporte não serão pagas. PDVSA é uma presença significativa nos mercados spot e charter.
A ameaça de incumprimento nos pagamentos de taxa de frete ficou evidente no decurso batalha legal entre a russa Sovcomflot e a estatal venezuelana, que se iniciou em 2016 e levou à recente decisão de arbitragem de Londres, que envolveu o navio-tanque Moscow Stars, obrigando à venda das 50 mil toneladas de petróleo bruto que o navio transportava para pagamento de valores de frete vencidos ao armador, que havia colocado uma penhora sobre a carga.
Acredita-se que, à luz da actual situação financeira da PDVSA, qualquer empresa que tenha navio contratado sob carta-partida à PDVSA estará, na prática, a operar os seus navios a crédito.
Outra preocupação para os armadores envolve as sanções dos EUA contra a Venezuela, decretados através de uma ordem executiva do presidente dos EUA, Donald Trump, em Agosto. De acordo com as novas regras, as entidades dos EUA não podem fornecer novos créditos à PDVSA. Não só isso torna a reestruturação da dívida muito mais difícil, como acrescenta um novo risco potencial para as contrapartes de transporte em relação à PDVSA.

O risco está no facto de uma empresa de transporte com ligação aos Estados Unidos fornecer uma prorrogação ao pagamento de frete ou ressarcimento decorrente de carta-partida, poder ser interpretado como a provisão de novo crédito, o que colocaria o armador em violação das sanções impostas.

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