9 de outubro de 2020

As "Forças das Trevas" em torno dos advogados do capitão do Wakashio

Na cena de abertura do filme “All the Presidents Men”, o mais famoso denunciante da história (Garganta Funda) dá ao jornalista de investigação Bob Woodward do Washington Post alguns conselhos críticos: “Siga o dinheiro”. Woodward seguiu o dinheiro e usou essa evidência para derrubar o homem mais poderoso do mundo. Agora, outro jornalista de investigação – veterano da BBC e economista em Harvard Nishan Degnarain – está a seguir o rasto do dinheiro que está a “fluir” no seguimento do derrame de óleo protagonizado pelo M/V Wakashio e, o resultado, pode vir a trazer enormes implicações para a indústria de transporte marítimo.

A criminalização continuada do pessoal marítimo é um problema que vem crescendo desde que o capitão Joe Hazlewood foi preso em 1989, depois do petroleiro Exxon Valdez ter encalhado no Alasca. O problema cresceu até atingir níveis tão ridículos que já há capitães de navios ancorados a serem presos. Eo problema tem-se agravado muito. Hoje, até, se não for possível culpar o capitão, ainda se pode levar a sua viúva para as audiências. Muito tem sido escrito sobre esse problema. Menos tem sido escrito sobre o simples fato de que os armadores quase sempre são considerados culpados nas investigações, mas nunca são presos. O que, AINDA não foi escrito é que culpar o capitão beneficia financeiramente os proprietários dos navios e as suas seguradoras.

“Infelizmente, o marinheiro envolvido num qualquer acidente grave é sempre o alvo mais fácil e vulnerável”, diz Michael Chalos, que defendeu com sucesso o capitão Hazlewood. “Os interesses mais poderosos, que muitas vezes são responsáveis ​​pela causa raiz do acidente, permanecem anónimos e unidos na proteção dos seus interesses e agendas, transferindo, injustamente, a culpa para os marinheiros infelizes que não têm os recursos, financeiros e outros, para se defenderem. Para esses interesses, a cadeia de causalidade começa e termina com o marítimo.”

Não vale a penas debruçar-nos muito profundamente nos problemas dos derrames antes de observar esta declaração lapidar "A IMO estima que mais de 90 por cento de todos os incidentes de poluição marinha são devidos a erro humano". A IMO é a Organização Marítima Internacional, que tem uma folha sinopse oficial para as descrições dos incidentes e que a fechar tem uma secção titulada “Fatores Humanos” que, aparentemente, tem preenchimento obrigatório. Frequentemente, é a seção mais longa na descrição do incidente. Hoje, não podemos mergulhar em notícias sobre incidentes de navios sem ouvir essas palavras reiteradas por policias e investigadores como justificação para prender capitães.

Se apenas lermos as manchetes, prender os capitães é uma decisão lógica. Mas quem escreve essas manchetes? Manchetes alegando que Joe Hazelwood do Exxon Valdez "estava bêbado", John Cota do Cosco Busan "estava drogado", Michael Davidson do El Faro "era incompetente" e Francesco Schettino do Costa Concordia era "um egomaníaco". Essas são as manchetes da mídia, o problema é que muitas vezes não são verdadeiras.

A este nível, é fácil culpar os capitães pelos incidentes por “erro humano”. Mesmo depois das manchetes terem sido provadas falsas em tribunal e a respetiva licença profissional lhe ter sido devolvida. Ninguém pode negar que o capitão de um navio encalhado cometeu alguns erros.

“Nesta altura, culpar derrames ou outros problemas com petroleiros por “erro humano” é um lugar comum estéril,” disse o ex-armador, chefe de departamento do MIT e denunciante da indústria de navegação, Dr. Jack Devaney. “Os petroleiros são criados e operados por humanos. Qualquer problema com qualquer sistema feito pelo homem é, em última análise, um erro humano, mas "erro humano", só por si, não nos diz nada. Mas, pior do que isso, 'erro humano' é, geralmente, uma frase de código para 'culpar a tripulação'.”

Segundo o Dr. Jack Devaney, “As Sociedades Classificadoras – e os seus parceiros, os Estados de bandeira – competem e dependem financeiramente das entidades que deveriam regular: os estaleiros que constroem os petroleiros e os armadores que os operam.”

Mas como é que esta “causa ou imputação” beneficia, financeiramente, o armador e a seguradora? A negligência da tripulação é um risco segurado. A negligência do proprietário não é.

Neste seu livro inovador “The Tankship Tromedy”, o Dr. Devaney mostra, de forma clara, como algumas das organizações sem fins lucrativos mais lucrativas do mundo, Classification Societies, obtêm enormes lucros após as tragédias. No seu último artigo, Nishan Degnarain descreve os argumentos do Dr. Devaney e vai mais longe, seguindo o dinheiro de volta, até aos armadores.

“Em alguns dos maiores casos marítimos da história”, escreve Degnarain,  “Muitas vezes tem sido o capitão de grandes navios que foram colocados como bodes expiatórios pelas próprias companhias de navegação que os empregam e ganham biliões de dólares, anualmente, pelos seus leais serviços.”

O artigo da Forbes aprofunda a investigação, explicando que “Culpar a tripulação” tem sido a resposta para muitos proprietários de navios, operadores, seguradoras marítimas e reguladores de “bandeiras de conveniência”, em vez de abordar alguns dos maiores problemas de segurança sistémica no mundo da navegação marítima, que tem estado sem controlo por tanto tempo.

Por quê?

De acordo com Degnarain e Devaney, existem três razões:

1) os erros da tripulação são mais fáceis de reconhecer, em comparação com o projeto de engenharia deficiente do navio, a manutenção deficiente e a aplicação inadequada das regras.

2) os peritos e inspetores de navios são incentivados a se concentrar apenas nas questões superficiais e operacionais, e não nas questões sistémicas subjacentes.

3) culpar a tripulação é a saída mais fácil para evitar a identificação da culpabilidade dos armadores, construtores ou responsáveis pela manutenção deficiente do navio.

Como em qualquer bom filme, não se quer revelar o final, mas ... no caso do M / V Wakashio, a combinação do diploma de economia de Harvard de Degnarain com a sua experiência de jornalista de investigação revelou uma história tão estranha e distorcida quanto qualquer blockbuster (caça-fantasmas) de Hollywood. Leia um pouco mais do que está a suceder na Ilha Maurício, no seguimento do acidente e derrame do M/V Wakashio, clicando AQUI. Um artigo da mundialmente prestigiada revista Forbes.


 

 

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