19 de maio de 2020

Coronavírus: o impacto no transporte global


A rápida disseminação do coronavírus no início de 2020 teve um fortíssimo impacto nos mercados globais de transporte, com a queda na procura por mercadorias da China afectando tudo, desde navios porta-contentores até petroleiros.
Inicialmente, todos pensaram ser problema da China. Ninguém pensou mais do que isso. O primeiro país atingido pelo Covid-19 é, agora, o único com uma economia em recuperação e uma população reemergente. Para o resto do mundo, a incerteza é a única certeza.
A actual pandemia global começou no final de dezembro, com apenas uma dúzia de casos em Wuhan, na China. Depois, o surto de espalhou o seu domínio sobre o mundo inteiro, tendo a Europa como seu epicentro actual. Em 19 de Maio, já infectou quase cinco milhões de pessoas e matou mais de 319.000 vidas.
Depois que os países ocidentais iniciaram a aplicação bloqueios e confinamentos obrigatórios, que podem durar semanas, se não meses, as economias mundiais correm o risco de soçobrar. Várias indústrias estão paradas e o sector de navegação navega por águas desconhecidas.
Mas vejamos a evolução em termos mais abrangentes:

a) Janeiro: um choque para o sector marítimo chinês
A prosperidade no sector de transporte marítimo está fortemente ligada à China, um importante parceiro comercial de vários países e um líder importante na construção naval.
Ao longo de janeiro, durante o qual o vírus começou a sua expansão pelo resto do país e países vizinhos, a indústria pareceu experimentar apenas um impacto marginal – apresentando, inicialmente, apenas uma pequena queda na procura, por razão dos portos da China e dos países vizinhos começarem a operar com capacidade limitada.
Por outro lado, o surto ocorreu no momento em que as companhias de navegação estão habituadas a verem diminuir a procura devido ao Ano Novo Chinês (CNY) e já estavam preparadas para isso, nomeadamente, com a supressão de travessias no sector de transporte de contentores.
A situação deteriorou-se, de forma mais ampla, com a passagem de janeiro e com o prolongamento dos feriados do CNY. Depois que um passageiro testou positivo para o Covid-19 a bordo de um navio da Princess Cruises na costa do Japão, os portos começaram a limitar – e, eventualmente, proibir – o tráfego de cruzeiros nos seus terminais. Portos asiáticos em países como Coreia do Sul, Taiwan e Singapura também começaram a introduzir procedimentos de triagem nos seus centros, colocando as tripulações de navios que vinham da China em quarentena e procurando limitar a propagação do vírus.
Desde aí, esses procedimentos causaram contratempos significativos aos sectores de cruzeiros e de transporte, que se viram confrontados com cancelamentos de pedidos e viagens, picos de custos e queda de oportunidades comerciais. Além disso, o transporte chinês foi atingido por uma proibição nacional de todas as viagens não essenciais, uma força de trabalho excepcionalmente reduzida e o encerramento de instalações de produção e construção naval. As paralisações e actividades limitadas levaram, ainda, à escassez de mão-de-obra, o que, por sua vez, afectou o comércio. Em resultado, a capacidade nos maiores portos chineses caiu entre 30% e 50%.

b) Fevereiro: o impacto no transporte global
Apesar dos prolongados lockdowns da Ásia, foi em fevereiro que o sector marítimo global começou, na realidade, a sentir o impacto alargado da pandemia de Covid-19.
As exportações da China continental caíram, significativamente, em fevereiro de 2020. Dados de meados de fevereiro mostraram uma queda radical na procura da China por petroleiros, na ordem de 3.400 milhões de toneladas/ milhas diárias em 2019, para quase zero. Por essa razão, a taxa de fretamento diário de um VLCC caiu mais de 20%, entre 14 de janeiro e 14 de fevereiro de 2020.
Este foi, apenas, o início do que estava prestes a se tornar uma crise global em todos os sectores, incluindo o transporte marítimo, que foi atingido pela desaceleração da procura na produção, exportação de petróleo e mercadorias.
Embora, como se diz atrás, a crise seja transversal, o sector de contentores, outra categoria que depende, significativamente, da China, foi vítima do surto. Os contentores estão, intimamente, ligados às actividades económicas e a actividade económica diminui em todo o mundo, dependente da procura chinesa e também das exportações chinesas – procura por matéria-prima e exportações de produto acabado – para impulsionar volumes de procura de carga. Por aqui se percebe como a China é, realmente, o motor da indústria marítima.

c) Março: o coronavírus na Europa
A crise do coronavírus aumentou para níveis sem precedentes em março. Embora as mortes na China tenham começado a diminuir lentamente, um número cada vez maior de casos começou a aparecer na Europa. Logo após a Organização Mundial da Saúde ter declarado o surto de Covid-19 uma pandemia, toda a Itália foi confinad, rapidamente seguida pela Espanha, França, Portugal e, no final do mês, pelo Reino Unido e alguns estados dos EUA.
À medida que o vírus se propagava como fogo, o comércio foi severamente impactado, as taxas de fretamento caíram, as cadeias de abastecimentos foram interrompidas. O mundo ficou muito dependente da China para tudo. E esta pandemia provocou o choque e o caos no Ocidente, anunciando ao mundo que a recessão é inevitável.
Desnecessário dizer que isso significa que os próximos meses poderão tornar-se cada vez mais severos para todo o sector, que se verá forçado a operar de forma limitada.
Enquanto isso, a procura por petroleiros foi, entretanto, aumentando, com o colapso da aliança OPEP+ – que provocou uma queda histórica nos preços do petróleo e uma potencial guerra de preços entre os líderes mundiais. 

d) Abril: sinais de recuperação?
À medida que o mundo entra no quarto mês da pandemia a procura por tonelada/milha de carga capesize melhorou um pouco, liderada por uma recuperação da procura do Japão e da Coreia do Sul, embora os números chineses ainda sejam baixos. As instalações de produção na China podem começar a ter trabalhadores agora, mas em termos de produtividade ainda não estão longe dos 100% de actividade.
Notou-se uma recuperação mínima no sector de contentores, embora o número semanal de viagens de porta-contentores originárias da China ainda tenha uma frequência muito limitada. No entanto, a situação que se foi desenvolvendo, diariamente, foi tão crítica, que tornou difícil interpretar os dados de evolução da procura.
Todos sabemos que uma forma de limitar o pico de tonelagem excedente é demoli-la e tornar a restante comercialmente mais competitiva. No entanto, essa tendência perdeu força à medida que a pandemia tomou conta da Índia e de seus vizinhos Bangladesh e Paquistão, que possuem alguns dos maiores estaleiros de demolição do mundo.
Entretanto, o actual atraso nas entregas da China tem permitido algum alívio, tão necessário a um mercado com excesso de oferta, como o transporte marítimo.
Com a Europa no epicentro do surto Covid-19, o sentimento compartilhado por todos os mercados ocidentais é a de que existe uma firme necessidade de manter a economia a funcionar, algo que não é apenas fundamental para dada um dos países atingidos, mas para todo o sector global de transporte.
O Covid-19 veio abanar todos nós, pelo que devemos estar preparados, para o caso de sobrevir uma perturbação ainda maior. Perante este cenário, para manter o sector marítimo (no seu todo) será preciso garantir que os portos e terminais locais sejam mantidos abertos e a funcionar.
Fonte: Ship Technology

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