A rápida disseminação do
coronavírus no início de 2020 teve um fortíssimo impacto nos mercados globais
de transporte, com a queda na procura por mercadorias da China afectando tudo,
desde navios porta-contentores até petroleiros.
Inicialmente, todos pensaram
ser problema da China. Ninguém pensou mais do que isso. O primeiro país
atingido pelo Covid-19 é, agora, o único com uma economia em recuperação e uma
população reemergente. Para o resto
do mundo, a incerteza é a única certeza.
A actual pandemia global
começou no final de dezembro, com apenas uma dúzia de casos em Wuhan, na China.
Depois, o surto de espalhou o seu domínio sobre o mundo inteiro, tendo a Europa
como seu epicentro actual. Em 19 de Maio, já infectou quase cinco milhões de
pessoas e matou mais de 319.000 vidas.
Depois que os países
ocidentais iniciaram a aplicação bloqueios e confinamentos obrigatórios, que
podem durar semanas, se não meses, as economias mundiais correm o risco de soçobrar.
Várias indústrias estão paradas e o sector de navegação navega por águas
desconhecidas.
Mas vejamos a evolução em
termos mais abrangentes:
a) Janeiro: um choque para o sector
marítimo chinês
A prosperidade no sector de
transporte marítimo está fortemente ligada à China, um importante parceiro
comercial de vários países e um líder importante na construção naval.
Ao longo de janeiro, durante
o qual o vírus começou a sua expansão pelo resto do país e países vizinhos, a
indústria pareceu experimentar apenas um impacto marginal – apresentando, inicialmente,
apenas uma pequena queda na procura, por razão dos portos da China e dos países
vizinhos começarem a operar com capacidade limitada.
Por outro lado, o surto
ocorreu no momento em que as companhias de navegação estão habituadas a verem diminuir
a procura devido ao Ano Novo Chinês (CNY) e já estavam preparadas para isso, nomeadamente,
com a supressão de travessias no sector de transporte de contentores.
A situação deteriorou-se, de
forma mais ampla, com a passagem de janeiro e com o prolongamento dos feriados
do CNY. Depois que um passageiro testou positivo para o Covid-19 a bordo de um
navio da Princess Cruises na costa do Japão, os portos começaram a limitar – e,
eventualmente, proibir – o tráfego de cruzeiros nos seus terminais. Portos
asiáticos em países como Coreia do Sul, Taiwan e Singapura também começaram a
introduzir procedimentos de triagem nos seus centros, colocando as tripulações de
navios que vinham da China em quarentena e procurando limitar a propagação do
vírus.
Desde aí, esses procedimentos
causaram contratempos significativos aos sectores de cruzeiros e de transporte,
que se viram confrontados com cancelamentos de pedidos e viagens, picos de
custos e queda de oportunidades comerciais. Além disso, o transporte chinês foi
atingido por uma proibição nacional de todas as viagens não essenciais, uma
força de trabalho excepcionalmente reduzida e o encerramento de instalações de
produção e construção naval. As paralisações e actividades limitadas levaram,
ainda, à escassez de mão-de-obra, o que, por sua vez, afectou o comércio. Em
resultado, a capacidade nos maiores portos chineses caiu entre 30% e 50%.
b) Fevereiro: o impacto no
transporte global
Apesar dos prolongados lockdowns da Ásia, foi em fevereiro que
o sector marítimo global começou, na realidade, a sentir o impacto alargado da
pandemia de Covid-19.
As exportações da China
continental caíram, significativamente, em fevereiro de 2020. Dados de meados
de fevereiro mostraram uma queda radical na procura da China por petroleiros,
na ordem de 3.400 milhões de toneladas/ milhas diárias em 2019, para quase
zero. Por essa razão, a taxa de fretamento diário de um VLCC caiu mais de 20%, entre
14 de janeiro e 14 de fevereiro de 2020.
Este foi, apenas, o início
do que estava prestes a se tornar uma crise global em todos os sectores,
incluindo o transporte marítimo, que foi atingido pela desaceleração da procura
na produção, exportação de petróleo e mercadorias.
Embora, como se diz atrás, a
crise seja transversal, o sector de contentores, outra categoria que depende,
significativamente, da China, foi vítima do surto. Os contentores estão,
intimamente, ligados às actividades económicas e a actividade económica diminui
em todo o mundo, dependente da procura chinesa e também das exportações
chinesas – procura por matéria-prima e exportações de produto acabado – para impulsionar
volumes de procura de carga. Por aqui se percebe como a China é, realmente, o
motor da indústria marítima.
c) Março: o coronavírus na Europa
A crise do coronavírus
aumentou para níveis sem precedentes em março. Embora as mortes na China tenham
começado a diminuir lentamente, um número cada vez maior de casos começou a
aparecer na Europa. Logo após a Organização Mundial da Saúde ter declarado o
surto de Covid-19 uma pandemia, toda a Itália foi confinad, rapidamente seguida
pela Espanha, França, Portugal e, no final do mês, pelo Reino Unido e alguns
estados dos EUA.
À medida que o vírus se
propagava como fogo, o comércio foi severamente impactado, as taxas de
fretamento caíram, as cadeias de abastecimentos foram interrompidas. O mundo ficou
muito dependente da China para tudo. E esta pandemia provocou o choque e o caos
no Ocidente, anunciando ao mundo que a recessão é inevitável.
Desnecessário dizer que isso
significa que os próximos meses poderão tornar-se cada vez mais severos para
todo o sector, que se verá forçado a operar de forma limitada.
Enquanto isso, a procura por
petroleiros foi, entretanto, aumentando, com o colapso da aliança OPEP+ –
que provocou uma queda histórica nos preços do petróleo e uma potencial guerra
de preços entre os líderes mundiais.
d) Abril: sinais de
recuperação?
À medida que o mundo entra
no quarto mês da pandemia a procura por tonelada/milha de carga capesize melhorou um pouco, liderada por
uma recuperação da procura do Japão e da Coreia do Sul, embora os números chineses
ainda sejam baixos. As instalações de produção na China podem começar a ter
trabalhadores agora, mas em termos de produtividade ainda não estão longe dos
100% de actividade.
Notou-se uma recuperação mínima
no sector de contentores, embora o número semanal de viagens de porta-contentores
originárias da China ainda tenha uma frequência muito limitada. No entanto, a
situação que se foi desenvolvendo, diariamente, foi tão crítica, que tornou
difícil interpretar os dados de evolução da procura.
Todos sabemos que uma forma
de limitar o pico de tonelagem excedente é demoli-la e tornar a restante
comercialmente mais competitiva. No entanto, essa tendência perdeu força à
medida que a pandemia tomou conta da Índia e de seus vizinhos Bangladesh e
Paquistão, que possuem alguns dos maiores estaleiros de demolição do mundo.
Entretanto, o actual atraso
nas entregas da China tem permitido algum alívio, tão necessário a um mercado
com excesso de oferta, como o transporte marítimo.
Com a Europa no epicentro do
surto Covid-19, o sentimento compartilhado por todos os mercados ocidentais é a
de que existe uma firme necessidade de manter a economia a funcionar, algo que
não é apenas fundamental para dada um dos países atingidos, mas para todo o sector
global de transporte.
O Covid-19 veio abanar todos
nós, pelo que devemos estar preparados, para o caso de sobrevir uma perturbação
ainda maior. Perante este cenário, para manter o sector marítimo (no seu todo)
será preciso garantir que os portos e terminais locais sejam mantidos abertos e
a funcionar.
Fonte: Ship Technology
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