2 de junho de 2020

Implicações legais do armazenamento em navios-tanque


O P&I The Swedish Club publicou uma nota de recomendação aos seus associados seguros chamando a atenção para o facto de que a recente vaga de afretamento de navios petroleiros para servirem de depósito envolve situações, muitas vezes complicadas, mas não totalmente salvaguardas nas cartas de partida.
O mercado de petróleo sofreu uma queda dramática nos preços devido ao excesso de oferta e à queda substancial na procura devido, entre outras coisas, ao Covid-19. O descalabro do mercado ficou à vista quando o preço do petróleo caiu, temporariamente, abaixo de zero, o que significou que, em princípio, os vendedores teriam de pagar aos compradores para se livrarem do óleo. Daí resultou o facto dos traders terem procurado armazenar o petróleo por várias semanas ou meses, antecipando (ou esperando) uma recuperação no preço do petróleo (cotango).
Mas, devido à pouca procura pelo produto e à escassez de disponibilidade de armazenamento em terra, levaram os comerciantes a procurar outro lugar. A opção foi fretar mega petroleiros de petróleo bruto (VLCCs) e ultra grandes (ULCCs) usá-los como armazenamento flutuante no mar. Embora essa possa ser uma opção atraente, os proprietários e os afretadores devem estar cientes de que o uso de navios como armazenamento flutuante tem implicações tanto operacionais, como legais.
Os navios fornecem uma opção muito mais móvel e flexível de armazenamento. Podem ser instruídos a prosseguir para, ou esperar em, quase qualquer lugar e, uma vez recuperado o mercado, podem prosseguir para um porto de descarga e entregar a carga a um comprador. Também podem haver implicações alfandegárias e tributárias significativas para o armazenamento de carga.
A maioria das empresas de fretamento está dedicada para o transporte de carga de um lugar para outro, e não para o armazenamento. Estas empresas foram desenvolvidas e estão preparadas para lidar com riscos conhecidos ou previstos e alocá-los entre fretadores e proprietários. Ao alterar o uso pretendido dos navios, as partes precisam planear e lidar com os problemas que possam daí decorrer.
Em geral, as afretadoras por viagem pretendem transportar a carga de um lugar para outro o mais rápido possível, Não estão preparadas para atenderem um navio carregado, sob contrato de afretamento, fundeado num qualquer local por várias semanas ou meses. Os proprietários cobram o frete por uma viagem, e não pelo tempo – embora existam multas e incentivos por demoras ou avanços das operações de carga, nas formas conhecidas de demurrage e despatch. É do maior interesse dos proprietários concluir a viagem o mais rápido possível, para que possam realizar o próximo evento. Questões como manutenção e docagem a seco são, em geral, realizadas pelos proprietários entre viagens – mas isso pode não ser possível se o navio for afretado por vários meses.
Alguns contratos de afretamento de viagem incorporaram termos que permitem que o afretador opte por solicitar que o navio aguarde por ordem – transformando, desta forma, o navio em tancagem de armazenamento. A carta-partida, por regra, fornecerá uma taxa de demurrage substancialmente mais elevada se o navio for usado para armazenamento. Nessas circunstâncias, os proprietários podem ficar satisfeitos por os afretadores instruírem o navio a esperar, pois sabem que serão bem compensados ​​pelo tempo perdido. No entanto, para a afretadora (e todas as partes envolvidas) deve ser absolutamente claro qual o regime de demurrage a aplicar. Por exemplo, no caso concreto do NT Zaliv Baikal, a carta-partida dispunha que, se os afretadores ordenassem que a embarcação parasse e esperasse por novas ordens, seria aplicada uma taxa de demurrage significativamente mais. Depois de recebido o aviso de pronto, os afretadores não deram ordens e o navio ficou fundeado por vários (64) dias. Os proprietários reivindicaram a taxa mais elevada de demurrage, enquanto os afretadores pretendiam pagar apenas a taxa padrão. O tribunal considerou que o ressarcimento era pagável à taxa normal da parte afretadora e não às taxas crescentes estabelecidas nas cláusulas adicionais. Isso porque não existiram instruções expressas para que o navio ficasse parado a aguardar outras ordens.
Os fretamentos a tempo estão mais dedicados para o uso como armazenamento, porque os fretadores fretam a embarcação por um período determinado e geralmente são livres para ordenar que o navio siga para qualquer destino ou aguarde, apenas sujeito às limitações comerciais ou de carga acordadas. Por vezes, as companhias afretadoras estabelecem, expressamente, que um navio pode ser usado para armazenamento, mas muitas das vezes essa é uma cláusula avulsa e descartável, incluída sem muita reflexão sobre as implicações do uso do navio num armazenamento a longo prazo.
Há considerações práticas que precisam ser levadas em consideração: quanto tempo e onde a embarcação irá aguardar?
Os afretadores precisarão antecipar por quanto tempo irão afretar o navio. Se o período estabelecido na carta-partida for muito curto, os proprietários poderão recusar-se a estendê-la e o preço do petróleo poderá não ter sido recuperado o suficiente. A taxa de afretamento para navios-tanque capazes de serem usados ​​como armazenamento flutuante aumentou, rapidamente, devido ao aumento da procura. O preço do petróleo precisa aumentar o suficiente para compensar o custo do afretamento, caso contrário os afretadores não obterão nenhum benefício. Pelo contrário, se os afretadores tomam o navio por muito tempo, podem ficar presos a um navio de que não precisam mais, pagando uma taxa muito elevada. Os afretadores procuram flexibilidade, enquanto os proprietários procuram uma taxa de contratação favorável por mais tempo. No caso de contratos existentes, os afretadores podem pretender estendê-las às taxas mais antigas, enquanto os proprietários procuram rescindir para fechar fretamentos mais lucrativos.
A maioria dos navios não foi projectada para ficar no mesmo local por muito tempo. Quando se prolonga a estadia num lugar, provavelmente, o navio experimentará incrustações e crescimento de algas marinhas no casco, o que pode exigir manutenção contínua e que o obrigue a ser docado no final do contrato. Quem pagará a conta?
O armazenamento a longo prazo também pode estar sujeito a preocupações de ordem regulatória, de manutenção e segurança. As sanções internacionais aplicáveis ​​a determinados países ou entidades podem mudar ao longo do tempo. Alguns países podem restringir ou proibir um VLCC ou ULCC, totalmente carregado, de estar fundeado nas suas águas territoriais por vários meses. Um armazenamento flutuante de longo prazo pode estar sujeito a condições climáticas adicionais, pirataria e riscos políticos. À luz do coronavírus, alguns portos impuseram severas restrições a mão-de-obra, ao fornecimento de navios e ao embarque ou desembarque de tripulantes. Se um membro da tripulação ficar doente ou não puder ou não estiver disposto a trabalhar, e os proprietários não puderem colocar uma nova tripulação a bordo, um navio poderá não cumprir os requisitos de tripulação segura, fazendo-o perder a navegabilidade.
Afretadores e proprietários também devem estar cientes de possíveis problemas com a carga – os proprietários são obrigados a fornecer um navio em condições de navegar, incluindo a capacidade de armazenar e transportar carga com segurança. O navio deve ser capaz de garantir que a carga seja mantida e monitorizada por vários meses para garantir que a mesma não seja danificada.
Os afretadores, proprietários de navios e proprietários das cargas devem garantir haver um seguro de carga, P&I, responsabilização adequada do afretador e o estabelecimento de quem arcará com o custo de quaisquer prémios adicionais. As partes precisarão notificar as suas seguradoras ou corretoras, reavaliar a cobertura existente e estabelecer se e qual o seguro adicional precisam. Por exemplo, os proprietários de carga precisam estar cientes de que as cláusulas da ICC (que são as cláusulas padrão de seguro de carga marítima) não foram projectadas para o armazenamento de óleo a longo prazo. Os proprietários e afretadores de navios precisam considerar se aumentaram a sua exposição à responsabilidade por poluição ou danos à carga.
A opção de fretar embarcações para armazenamento flutuante pode ser muito atraente para proprietários e afretadores, mas as partes devem garantir que calcularam e planearam os riscos associados a tudo isso.
Explore melhor o documento com as implicações legais publicado pelo: The Swedish Club.

Sem comentários:

Enviar um comentário