4 de junho de 2020

São múltiplas as causas do aumento de pirataria


Segundo a empresa de consultoria de segurança Dryad Global, a tendência global de queda nos crimes e pirataria marítima observada durante 2019 parece ter revertido: os incidentes de segurança marítima global nos primeiros 5 meses de 2020 aumentaram mais de 30% em relação ao mesmo período do ano passado.
Os incidentes no sudeste da Ásia aumentaram 93%; os incidentes na África Ocidental registaram um aumento de 3% em relação a 2019; e no Oceano Índico houve um aumento de 214%. O aumento da actividade no Oceano Índico em 2020, que havia diminuído significativamente nos anos anteriores, foi impulsionado, em grande parte, por um aumento de incidentes no Golfo de Áden.
As explicações à volta das causas desses aumentos regionais são complexas e, embora o impacto do Covid-19 seja provavelmente um factor, seria simplista dizer que esse foi a principal causa. Um factor chave atribuído ao Covid está ligado a aumento na actividade pirata por razão dos atrasos causados ​​nos portos e no aumento do volume de navios vulneráveis, ​​ancorados ou à deriva no mar.
Apesar disso, o número de assaltos a navios ancorados na África Ocidental, por exemplo, continuou a diminuir, enquanto o número de ataques graves em mar alto contra navios a navegar aumentou. No Golfo de Áden, houve um aumento significativo dos eventos relatados, no entanto, apenas quatro incidentes resultaram em disparos de aviso por parte de equipas de segurança armada (AST), não havendo histórico de abordagens ou tentativas de embarque.
Os factores determinantes da segurança marítima são complexos e requerem uma análise detalhada das condições que lhe dão origem, além de uma contextualização precisa dos dados. Uma análise mais atenta dos esforços de desenvolvimento em andamento na África Ocidental pode mostrar a forma como a região está organizada para enfrentar os desafios colocados pelo crime marítimo e pela pirataria, para além do actual impacto do Covid-19.
Embora os esforços de combate à pirataria na África Ocidental permaneçam embrionários, a tendência nos incidentes gerais, nestes primeiros cinco meses de 2020, reflectiu o declínio global significativo. Esta tendência tem vindo a ser observada desde 2016.
No entanto, essa tendência de queda no número de incidentes, fica prejudicada pelo forte aumento da gravidade dos mesmos, principalmente, por razão dos sequestros, que aumentaram 68% desde 2016. Quando analisamos o número de pessoas envolvidas, o quadro é ainda mais alarmante. 177 Pessoas foram sequestradas nas águas da África Ocidental, no ano passado. Além das águas nigerianas, a pirataria na África Ocidental registou uma série de incidentes e ocorrências importantes ​​no ano passado, nomeadamente, 13 ataques nas águas do Togo e Benin e um aumento de 83% nos incidentes na costa dos Camarões.
A Nigéria é o epicentro da pirataria na África Ocidental. Floresce na zona uma conjugação de pobreza, violência, subdesenvolvimento, poluição, corrupção, altos níveis de desemprego e falta de boa governança, que propiciam o clima ideal para a pirataria e o roubo.
Essas condições continuam apesar das iniciativas governamentais, como a legislação anticorrupção do presidente Buhari e dos esforços da comunidade marítima. Nas águas territoriais da Nigéria, o Delta do Níger é o fulcro do crime marítimo. A presença de petróleo na região exacerbou as tensões sociais entre comunidades e empresas privadas, o que resultou em militância, abastecimento ilícito e roubo de combustível.
As comunidades marítimas foram, por outro lado, impactadas pela pesca ilegal e não regulamentada generalizada. Em 2019, a Nigéria tomou medidas concretas no sentido de desenvolver mecanismos mais formalizados para combater a pirataria. Isso inclui a "Lei de supressão da pirataria e outras infracções marítimas" e o projecto "Deep Blue".
A Lei de Supressão da Pirataria viu a Nigéria tornar-se o primeiro Estado da África Ocidental a introduzir uma lei específica para combate à pirataria. O projecto também cumpre os requisitos internacionais para legislação específica contra a pirataria, estabelecida pela OMI. Além disso, introduz terminologia legal explícita e medidas para o julgamento de crimes marítimos e concede maiores poderes de apreensão de embarcações ou outros veículos usados ​​na perpetração de crimes marítimos. A Marinha da Nigéria também anunciou que pretende usar 'tribunais marítimos' especificamente estabelecidos para agilizar a acusação de crimes marítimos.
O projecto 'Deep Blue' das agências nigerianas de apoio à administração marítima (NIMASA) visa implementar uma arquitectura integrada de vigilância e segurança para combater o crime marítimo. A Nigéria também aumentou os meios à disposição para combater o crime marítimo, incluindo a compra de helicópteros, embarcações de patrulha Damen FCS 3307 e lanchas da empresa de segurança israelita HLSI Security Systems and Technologies Ltd. A HLSI também foi contratada para fornecer treino e consultoria à Marinha e Polícia Marítima da Nigéria, como parte do acordo.
As medidas preventivas anti-pirataria tomadas pelos governos da África Ocidental, além da Nigéria, incluem a obrigatoriedade, por parte dos Benin e Camarões, do embarque obrigatório de guardas armadas quando os navios pretendem fazer escala nos seus portos. O surto de Covid-19 levou, no entanto, à suspensão de muitas dessas medidas.
Iniciativas regionais mais alargadas para o combate à pirataria incluem o Código de Conduta do Djibuti, a Carta de Lomé da União Africana e o Código de Conduta de Yaoundé, que funcionam como estruturas básicas para os esforços anti-pirataria em toda a África. Governos externos à região também anunciaram medidas de segurança, o que indica maior preocupação internacional com o ambiente de segurança marítima na região.
No ano passado, o governo indiano anunciou a proibição a todos os cidadãos indianos de servirem como marítimos em navios que frequentassem as águas da África Ocidental, após o sequestro de 45 funcionários indianos em três incidentes separados.
Apesar das acções regionais e internacionais para reduzir o crime marítimo na África Ocidental, a Dryad Global estima que ele permaneça o epicentro global do crime marítimo, com a Nigéria a ser palco da maioria dos incidentes. As implicações socioeconómicas imediatas e futuras do Covid-19, provavelmente, dificultarão os esforços para lidar com estas questões de segurança marítima em toda a região, pelo que será de esperar um aumento contínuo de incidentes, a médio e longo prazo.

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