O
navio de cruzeiro “Grand Princess”, onde 21 pessoas testaram positivo ao SARS-COV-2,
manteve-se à deriva, a cerca de 20 milhas da costa da Califórnia, por 14 dias,
tendo atracado em Oakland, a 8 de março de 2020, onde desembarcou os cerca de
3.500 passageiros.
Num
momento de enorme alarme social a nível global – particularmente com navios de
cruzeiro, em resultado dos mais de 700 casos de coronavírus e oito mortes no
navio “Diamond Princess”, atracado no Japão – por todo o mundo as autoridades
portuárias foram manifestando relutância à escala de navios, obrigando-os a
quarentena e ao confinamento dos seus tripulantes.
De
repente, as expressões confinamento, distanciamento social e quarentena
passaram a fazer parte do nosso léxico. Será que serão conceitos recentes?
No Mundo Antigo
Uma
menção precoce de isolamento ocorre no livro bíblico de Levítico, escrito no
século VII aC, ou talvez antes, que descreve o procedimento para separar as
pessoas infectadas para evitar a propagação de doenças sob a Lei Mosaica (ou
"A Lei de Moisés"):
"Se
a mancha brilhante na pele é branca, mas não parece ser muito profunda, e se os
cabelos nela não ficaram brancos, o padre deve isolar a pessoa afectada por
sete dias. No sétimo dia, o padre deve examiná-lo e se ele perceber que a
ferida não sofreu alterações e não se espalhou na pele, ele deve isolá-lo por
mais sete dias.”
Na Europa Medieval
A
prática da quarentena, como a conhecemos, começou durante o século XIV, num
esforço para proteger as cidades costeiras das epidemias de peste. Os navios
que chegavam a Veneza dos portos infectados eram obrigados a permanecer
ancorados por 40 dias antes do desembarque, de pessoas e bens.
No
século XIV, quase 700 anos atrás, os sobrecarregados médicos e autoridades de
saúde pública, que lutavam contra um surto devastador de peste Bubónica na
Itália medieval, não tinham noção de vírus ou bactérias, mas perceberam o
suficiente sobre a Peste Negra para implementar algumas das primeiras medidas
anti contágio do mundo: manter distância e desinfectar.
Entre
1348 e 1359, a praga exterminou cerca de 30% da população europeia e uma percentagem
significativa da população da Ásia. A partir de 1348, logo após a praga chegar
a cidades como Veneza e Milão, as autoridades municipais adoptaram medidas
emergenciais de saúde pública que prenunciavam as melhores práticas atuais de
distanciamento social e desinfecção de superfícies.
Eles
sabiam que era preciso ter muito cuidado com os produtos que eram negociados,
porque a doença poderia espalhar-se em objectos e superfícies, pelo que
tentavam, ao máximo, limitar o contacto de pessoa a pessoa.
Figura 1: O decreto de quarentena foi uma
das maiores realizações da medicina medieval, ao ordenar o isolamento de
marinheiros e comerciantes, mostrando uma compreensão notável dos períodos de
incubação.
De
facto, quarantine tem origem marítima e advém, directamente, do termo "quarantino", a palavra italiana
para um período de 40 dias (quaranta
giorni), o período que os navios chegados de portos infectados eram
obrigados a ancorar em Veneza, durante a epidemia de peste bubónica do século
XIV. "Se houvesse suspeita de doença no navio, ao capitão era ordenado
seguir até o fundeadouro de quarentena, onde passageiros e tripulação eram
isolados e a embarcação fumigada e retida por 40 dias", segundo a
historiadora médica Eugenia Tognotti num artigo de 2013 sobre a história da
quarentena.
Porquê
40 dias? As autoridades de saúde podem ter prescrito uma quarentena de 40 dias
porque o número tinha grande significado simbólico e religioso para os cristãos
medievais. Quando Deus inundou a Terra, choveu por 40 dias e 40 noites; Jesus
jejuou no deserto por 40 dias.
Na
Idade Média, mesmo antes da chegada da praga, a noção bíblica de um período de
40 dias de purificação havia passado para as práticas de saúde. Após o parto,
por exemplo, era esperado que a nova mãe descansasse por 40 dias.
História Moderna
Mas
a Europa não foi apenas o destino de epidemias. Também levou o caos e novas
doenças a outras paragens. Quando o conquistador espanhol Fernando Cortez
chegou ao que hoje é o México, em 1519, originou a morte de milhões de índios,
cujo sistema imunitário não estava preparado para doenças como a varíola, o
sarampo, a papeira, a febre-amarela, a tosse convulsa ou a gripe.
Epidemias
de febre-amarela devastaram comunidades urbanas na América do Norte ao longo
dos séculos XVIII e XIX. No final do século XIX, os surtos de cólera de navios
de passageiros que chegavam da Europa levaram à criação de estações de
quarentena, providas com pessoal médico adequado para oferecer uma melhor cobertura.
As epidemias de cólera e varíola continuaram por todo o século XIX, e as
epidemias de peste afectaram Honolulu e São Francisco de 1899 a 1901. Os
governos estaduais promoveram cordões sanitários como medida geográfica de
quarentena para controlar o movimento de pessoas dentro e fora das comunidades afectadas.
Durante a pandemia de gripe espanhola (influenza de 1918), algumas comunidades
instituíram sequestro protector (às vezes chamado de "quarentena
reversa") para impedir que os infectados introduzissem a gripe em
populações saudáveis.
Convenções internacionais de 1852 a 1927
Desde
1852, foram realizadas várias conferências envolvendo potências europeias, com
vista à tomada de acções uniformes para impedir a infecção a partir do Oriente
e impedir a sua propagação na Europa. Todas, excepto a de 1897, estavam relacionadas
com a cólera. Embora não tenham obtido grande resultado prático, as realizadas em
Paris (1852), Constantinopla (1866), Viena (1874) e Roma (1885), conseguiram
aproximações à doutrina e aos princípios defendidos pela Grã-Bretanha. O objectivo
era vincular os governos a um mínimo uniforme de acções preventivas, com
restrições adicionais permitidas a determinados países, caso a caso.
A
sanidade marítima sempre foi um dos principais alvos dessas medidas sanitárias,
já que tanto as embarcações como os produtos transportados apresentavam
frequentemente situações de insalubridade e fomentavam os contágios
internacionais. Por isso, os portos, quer pelas embarcações, quer pelos depósitos
de mercadorias a granel, eram considerados focos de irradiação epidémica, sendo
considerados os fomentadores das pestes.
Finalmente,
foi assinada uma convenção sanitária internacional multilateral, concluída em
Paris a 17 de janeiro de 1912. Esta convenção foi mais abrangente e foi
designada para substituir todas as convenções anteriores sobre este assunto. Nova
convenção multilateral foi assinada em Paris a 21 de junho de 1926, para
substituir a de 1912. Estas conferências desempenharam um papel importante na
formação da Organização Mundial de Saúde em 1948.
Sinalização marítima internacional e
bandeiras
Nos
primórdios da vela, a utilização de sinais para a comunicação entre os navios, embora
primitiva, era de todo essencial, nem que fosse para passar instruções de um
almirante à sua frota.
Figura 2: Mensagem do sinal marítimo
internacional “Q”: "Ship meets
health regs; request clearance into port"
Geralmente
designada por sinalização flaghoist, o
recurso a um conjunto de bandeiras (e de movimentos com elas) foi o principal
meio, antes da invenção da TSF e do rádio, pelo qual os navios se comunicavam
entre si ou com a costa (não confundir com as bandeiras que mostram
nacionalidade). Nos dias de hoje, toda a sinalização visual está organizada no
Código Internacional de Sinais, que uniformiza os sinais usados pelos navios no
mar, para soletrar mensagens curtas ou, mais comummente, usadas individualmente
ou em combinação com significados especiais. É o caso da bandeira de
sinalização marítima que representa a Letra "Q" (Quebec), mas já la
vamos…
Como
vimos atrás, Veneza assumiu a liderança das medidas para controlar a propagação
da Peste Negra (1348), impondo aos navios o “quarantino”. Bandeiras amarelas, verdes e até pretas foram usadas
para simbolizar doenças em navios e em portos, com a cor amarela como precedente
histórico mais antigo – era a cor de marcação das casas com infecção (uma cruz
amarela na porta), antes de ser usada como marcação marítima. Alguma literatura
mais antiga, que remonta ao século XVIII, liga a bandeira amarela ao "macaco amarelo", nome pelo qual também
era conhecida a febre-amarela. Na verdade, é, até agora, desconhecida a primeira
vez e o local de elevação de uma bandeira de quarentena.
A
bandeira amarela simples ("Quebec", ou Q, sob o Código Internacional
de Sinais) deriva, provavelmente, como símbolo do seu uso inicial e da primeira
letra da palavra quarentena, muito embora hoje pretenda indicar o contrário, ou
seja, declara o navio livre de doenças. A mensagem de sinalização marítima
internacional actual é "O navio cumpre
as condições de saúde; solicita livre prática no porto e dispensa inspecção de
saúde”.
Século XXI
No
século XXI, pessoas suspeitas de serem portadoras de doenças infecciosas foram
colocadas em quarentena, como nos casos de Andrew Speaker (tuberculose
multirresistente, 2007) e Kaci Hickox (Ebola, 2014). A transferência de
pacientes infectados para alas de isolamento e a colocação em quarentena, no
domicílio, de pessoas potencialmente expostas, foi a principal forma encontrada
para debelar a epidemia do vírus Ebola na África Ocidental, controlada em 2016.
A
República Popular da China recorreu à quarentena em massa – primeiro, na cidade
de Wuhan e, posteriormente, em toda a província de Hubei (55,5 milhões de
habitantes) – durante a pandemia de coronavírus de 2019-20. Depois de algumas
semanas, o governo italiano impôs bloqueios em todo o país (a mais de 60
milhões de pessoas) para interromper o contágio. Durante a pandemia de
coronavírus de 2019-2020, muitos são os países, nos vários continentes que
optaram pelo lockdown (confinamento e
isolamento) por longos períodos, incluindo Portugal.
Como
se percebeu, então, os termos quarentena, confinamento, distanciamento social e
cordão sanitário (cerca) já têm séculos de prática e utilização.
António Costa, Abril 2020
Gostei. Em Lisboa na margem Sul ,entre o Portinho dd Costa e Porto Brandão,sobranceiro às instalações do cais de limpeza de tanques de navios (E.T.C.) ainda se podem ver as ruinas do Lazareto onde eram internados os pacientes com doenças suspeitas, foi planeado em 1858 com um custo de 500.000$oo réis e à época um dos melhores da Europa e América. Os navios em quarentena eram fundeados em frente.Junto ao rio existia um pequeno cais onde desembarcavam passageiros,mercadorias e bagagens que seguiam para armazéns estufa onde eram desinfectados com ácido sulfúrico. Os suspeitos de doenças infecciosas ficavam internados em enfermarias e a comida era servida através de umas rodas para as chamadas quarentenas. Tinha cemitério, capela ,horta e criação de animais. A eficiência era de tal ordem que as mercadorias e bagagens descarregadas e desinfectadas era transportada no mesmo dia para a margem Norte. Eram outros em que os portugueses caprichavam em fazer as coisas bem feitas. Abraço , Joaquim B. Saltão
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