10 de setembro de 2023

Esforço para identificar ondas de calor oceânicas antes que aconteçam

Os oceanos do mundo estão a “ferver”. Cerca de 48% do oceano tem vindo a sofrer ondas de calor marinho durante agosto, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (EUA), tornando-se o ano mais quente para os oceanos desde que a manutenção de registros começou em 1991. O calor pode ser sentido desde o Reino Unido, onde as águas costeiras atingiram mais 9ºF (5ºC) do que o normal, até a Flórida, onde o Atlântico atingiu a marca dos 90ºF (perto dos 35ºC).

Alistair Hobday, oceanógrafo, biólogo e cientista, investigador da Commonwealth, disse: “A coisa mais surpreendente em toda a minha carreira de 30 anos, é que as coisas que eu pensava que aconteceriam em 50 ou 100 anos, estão já aí. E penso nas ondas de calor como se fossem um alarme. Certamente, as pessoas devem senti-las como um alarme.”

Hobday passou anos a analisar dados para poder compreender o impacto das mudanças climáticas nos oceanos, incluindo a temperatura. A sua investigação descobriu que as ondas de calor marinhas ameaçam a biodiversidade global, o que por sua vez põe em perigo tudo, desde a pesca à segurança alimentar e ao turismo. Em 2018, Hobday foi coautor de um estudo publicado na Nature Communications que identificou um aumento de 54% de dias de ondas de calor marinhas entre 1925 e 2016 devido às alterações climáticas.

Mais recentemente, a Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Austrália (CSIRO) e outros grupos de investigação começaram a desenvolver formas de prever certas ondas de calor marinhas, do tipo que resulta do movimento da água do oceano, versus alterações na atmosfera. Escreveu Hobday na revista Nature esta semana: “Onde as comunidades estiverem preparadas, os impactos poderão ser mitigados, pelo menos parcialmente. Isso dependerá de se saber quais as regiões com maior probabilidade de serem afetadas.”

A urgência da ameaça é também a razão pela qual Hobday defendeu a designação das ondas de calor marinhas como furacões. Sevilha, em Espanha, é um dos poucos locais com um processo de nomeação de ondas de calor em terra, mas as pessoas “não têm noção da relação com o oceano”, diz Hobday. “Dar-lhes um nome, ajuda a melhorar o conhecimento sobre os oceanos ajuda a construir uma ligação com um evento extremo. Dar um nome aos eventos ajuda-os a traduzir-se na experiência humana.”

A Bloomberg Green conversou com Hobday sobre como funciona o calor marinho e quais os impactos observar. Eis a entrevista condensada:

O que é uma onda de calor no oceano?

Uma onda de calor marinha dura mais de cinco dias e ocorre quando as temperaturas estão acima 10% das até à altura atingidas naquele local. Não é um limite absoluto. Nalgumas partes do mundo, estará dois graus acima da média, noutras, estará apenas um grau acima da média. Noutros, ainda, pode ser de cinco graus, dependendo da variabilidade obtida.

As ondas de calor duram mais na água porque a água retém o calor por mais tempo que o ar. E podem levar à mortalidade, em massa, de animais. No curto prazo, se você for um peixe ou um golfinho, bastará nadar num outro lugar. Mas à medida que as ondas de calor se tornarem mais longas e maiores, animais como o atum e os tubarões não conseguirão nadar suficientemente rápido e chegar a águas frias porque, à medida que a água aquece, retém menos oxigénio. Como precisam nadar mais rápido, têm dificuldade em respirar.

Eis uma ótima analogia: parece-se um pouco com alguém, que adaptado à vida ao nível do mar, tenta correr em grande altitude.  Uma onda de calor, basicamente, leva-nos do nível do mar até grandes altitudes e alguém nos diz: “agora começa a correr a maratona”.

E quanto ao impacto em espécies como os corais?

Eles têm apenas um curto espaço de tempo para sobreviver a esses eventos estressantes. À medida que a onda de calor avança, tudo o que se não consegue mover – algas, corais, ervas marinhas – é extinto localmente.

Quando se tem águas mais quentes por um maior período de tempo, também podemos sofrer surtos de doenças, já que as doenças se desenvolvem melhor em águas mais quentes. Também temos proliferação de algas nocivas que ocorrem em ondas de calor mais longas e podem tornar maior a prevalência de coisas como o ácido domóico[1] e envenenamento paralisante por marisco. Os humanos podem morrer ao comer marisco contaminado com ácido domóico; o mesmo pode acontecer com aves marinhas e focas.

Tudo isto leva a mortes em massa e quanto mais longa e maior for a onda de calor, mais extremas serão as mortes e mais afetada será a cadeia alimentar. Isso leva ao encerramento da pesca e à perda de indústrias. Estas ondas de calor marinhas são uma visão do nosso futuro e se não gostarmos desse futuro, é melhor entrar em ação.

Figura: As três "bolhas" de água quente na costa norte-americana, desde o Alasca até ao México, podem ser vistas neste gráfico datado de 1 de setembro de 2014.

Falando no futuro, conseguirão os investigadores, cada vez mais, prever ondas de calor marinhas?

Existem alguns grupos em todo o mundo que fazem previsões de longo prazo de ondas de calor marinhas, e que apontam com dois, três ou até quatro meses de antecedência para onde esperamos que esses eventos ocorram. A minha equipa em Hobart usa o aprendizado em computação e modelos oceânicos – dois métodos – para ver onde se podem esperar que as ondas de calor cheguem, com uma antecedência de cerca de três meses.

Podemos prever os grandes eventos de ondas de calor marinhas devido ao movimento da água do oceano. O Blob[2] [na costa do Pacífico] era previsível. A onda de calor marinha no Atlântico era previsível. A onda de calor marinha caribenha foi uma combinação do movimento da água do oceano e de uma atmosfera quente. Mas vimos que ia ter pelo menos um evento forte, virou extremo porque foi “cozinhado” pela atmosfera

Ainda estamos em fase de testes, mas estamos muito perto de incluí-los como uma previsão do tempo na internet, uma previsão de onda de calor marinha.

Qual é a vantagem desse tipo de previsão de longo prazo?

Eliminará o elemento surpresa das empresas, o que as ajudará a navegar nestes eventos arriscados. A indústria de lagosta do Maine, por exemplo, pode decidir estabelecer acordos de compra diferentes com os importadores canadianos, porque a pesca da lagosta no Canadá e no Maine está um pouco fora de tempo – a temporada da lagosta, sem as alterações climáticas, no Canadá, tendia a começar um pouco mais cedo e terminar mais cedo do que no Maine. A onda de calor faz com que estas temporadas se comecem a sobrepor, o que leva ao excesso de produto no mercado e à queda dos preços. Se houvesse esse conhecimento, poder-se-ia gerir o negócio de forma diferente.

Se as autoridades estiverem a promover um projeto de restauro, de mangais, ervas marinhas ou algas, talvez o possam suspender até passar a onda de calor.

No caso dos incêndios florestais na Austrália, por exemplo, se anteciparmos que uma área irá arder, as pessoas poderão retirar espécies protegidas de peixes dos rios, colocando-as em cativeiro durante um determinado período, sabendo-se que, depois do incêndio florestal, todas as cinzas vão parar ao rio e os matarão a todos. Antes das ondas de calor marinhas, podemos retirar sementes de ervas marinhas de uma área antes da sua chegada e garantir que as temos prontas para serem colocadas de volta, naquela área específica, para ser restaurada a biodiversidade. Se recebermos um aviso sobre o futuro, poderemos fazer muitas coisas de forma diferente.

À medida que a Austrália entra no verão, o que prevê para a Grande Barreira de Corais?

Estamos a prever ondas de calor marinho para a Grande Barreira de Corais neste verão, o que poderá, na verdade, ser uma desgraça. É provável que a Grande Barreira de Corais fique, novamente, lixiviada este ano. Isso me deixa preocupado. É um ícone da Austrália. Faz parte da nossa identidade nacional.

 

© 2023 Bloomberg L.P.

 



[1] O ácido domóico (AD) é uma neurotoxina produzida por algumas diatomáceas do plâncton marinho e foi reconhecido pela primeira vez em 1987. Sabe-se que elevados níveis desta neurotoxina estão associados a lesões histopatológicas evidentes e a casos de amnesia em humanos e mamíferos marinhos.

[2] The Blob (a bolha) é uma grande massa de água relativamente quente no Oceano Pacífico, na costa norte da América do Norte, que foi detetada, pela primeira vez, no final de 2013 e continuou a propagar-se ao longo de 2014 e 2015.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário