A indústria de cruzeiros tende a provocar respostas fortes,
alguns a favor e – como se vê pelos recentes protestos em Veneza – outros,
frontalmente, contra.
Por um lado, temos os devotos, que descrevem os cruzeiros
que já fizeram, como a opção de férias preferida, que têm as suas linhas de
cruzeiro, navios e, até, mesmo os seus capitães favoritos. Nada poderá
dissuadir estes fãs ardorosos da sua viagem anual – alguns, dos quais, embarcam
durante20 ou mais dias, por ano. Em 2014, a Cruise Lines International
Association anunciou que dois terços dos passageiros eram repetentes. Por outro
lado, muitas pessoas e organizações apresentam-se, ferozmente, contra a
indústria, as suas políticas de emprego, o seu currículo na gestão ambiental, a
opacidade dos seus regimes de tributação e o impacto do sobredimensionamento
dos actuais navios nos seus portos de escala.
No recente protesto em Veneza, os moradores desceram até à
água do canal, para protestarem contra os enormes navios de cruzeiro que entram
na cidade, através do Grande Canal. Este protesto encerra muitas das críticas
contra a indústria, especialmente as linhas com navios capazes de transportar
6.000, ou mais, passageiros e tripulantes.
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Numa cidade como Veneza, que se afunda lentamente, navios tão
grandes podem causar maiores danos ao ambiente, contribuindo para a erosão dos
canais e terrível impacto sobre o ecossistema frágil. Estes enormes navios sufocam
a bela arquitectura da cidade e “descarregam” milhares de passageiros que
sufocam os estreitos canais e ruas. Os governantes de Veneza têm-se,
reiteradamente, recusado a reconhecer os pedidos para limitar o tamanho e o
número de grandes navios, acreditando que um tão número de turistas trará
benefícios económicos para a cidade.
O navio que prejudica
A população de Veneza contra os navios de cruzeiro é apenas
um exemplo da crescente preocupação sobre a escalada do mercado de massa turístico/marítimo.
Cidades e vilas portuárias em todo o mundo começaram a protestar de forma mais
vigorosa, sendo Barcelona outro caso recente. No centro destes protestos,
especialmente no que diz respeito ao turismo de cruzeiros, está a preocupação
de que é económica, social e ambientalmente insustentável.
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As despesas contraídas pelos turistas, de férias na Europa, dividem-se
em três partes, mais ou menos iguais, entre alojamento, transporte e outras
despesas. No entanto, os que viajam em cruzeiros, viajam “na sua própria acomodação”,
removendo, à partida, um terço do potencial rendimento no destino. Um outro
terço é afectado porque os passageiros de cruzeiro, muitas vezes, voltam ao
navio para almoçar e jantar, por as refeições estarem incluídas no “pacote de
cruzeiro”. Na verdade, um número significativo de passageiros nunca sai do
navio em porto, preferindo utilizar as amenidades dos navios, em momentos de
menor ocupação.
O navio que divide
O impacto social do turismo de cruzeiro depende do tamanho
do porto de escala, na medida em que esse destino depende do turismo que os
navios de cruzeiro aportem para a receita e do tamanho dos próprios navios em
visita.
Uma característica da indústria de cruzeiros é a sua
preferência pela a oferta de "ilhas privadas" aos seus passageiros.
Enquanto algumas são realmente ilhas, principalmente no Caribe, outras são, na
realidade penínsulas costeiras e, como tal, nem são ilhas e, muito menos,
privadas. São alugadas pelos governos nacionais para as linhas de cruzeiro os
operarem em exclusivo. Isto traz pouco benefício económico aos moradores
locais, já que todos os alimentos e bebidas são disponibilizados a partir do
navio para as ilhas e praias.
Um desses enclaves, é Labadee, na costa noroeste do Haiti, onde
é permitido que um pequeno número de pessoas locais possam vender lembranças,
duas vezes por semana, durante a temporada de cruzeiros. Até 50 locais são
empregadas como trabalhadores de praia, guias de turismo, artistas ao vivo e funcionárias
de limpeza. Este tipo de recursos "imediatamente disponíveis mas sem
vínculo", em locais onde os governos procuram lucro a curto prazo, enquanto
permitem benefícios significativos aos operadores de cruzeiro, tem pouco a
oferecer às comunidades locais e não promovem desenvolvimento, nem coesão
social
O navio que polui
A crítica às linhas de cruzeiro na perspectiva ambiental
está a crescer devido a preocupações com a poluição e o papel da queima do
combustível marítimo na mudança climática. Enquanto os navios de cruzeiro
representam apenas 8% do transporte marítimo mundial e os meganavios, recentemente
construídos, são capazes de processar totalmente o esgoto e o desperdício de
alimentos a bordo, o aumento no mercado de fly-cruise (cruzeiros com ligação
aérea aos portos de chegada/partida, normalmente destinos exóticos) significará
que as etapas aéreas devem ser incluídas no cálculo do custo real da poluição do
turismo de cruzeiros.
A indústria de cruzeiros procura não se envolver ou
responder a qualquer crítica. E, embora não seja justo sugerir que esta
indústria seja diferente de quaisquer outras entidades comerciais de tamanho
similar, é irrefutável que as linhas de cruzeiro são capazes de gerar enormes
lucros, porque estão sedeadas em paraísos fiscais como Bermuda, Libéria e no Panamá.
Estes registos abertos, vulgarmente conhecidos como bandeiras de conveniência,
significa regulamentação mínima no que respeita a custos laborais, normas
ambientais e normas de segurança.
Enquanto exigem a aplicação de igual legislação a todo o
negócio marítimo, as linhas de cruzeiro dependem fortemente da sua mão-de-obra
para satisfazer as elevadas expectativas de serviço dos seus passageiros. Ora,
essas mesmas empresas aproveitam qualquer oportunidade que surja, para evitar
qualquer legislação que possa oferecer, a esses trabalhadores assalariados, a protecção
e segurança no emprego. Esta, é apenas uma de uma longa lista de críticas à
indústria, aparentemente relutante em as reconhecer por ela própria. Num mundo
que, desde o escândalo Panamá Papers, está cada vez mais consciente destas
questões, a indústria não se pode dar ao luxo de ignorá-las por muito mais
tempo.
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Os cruzeiros marítimos são uma actividade sustentável?
Nem tudo nos navios de cruzeiro é mau, como é óbvio. Apenas
representam uma parte da tendência no turismo de massas que tem democratizado o
acesso a viagens e permitiu o acesso a actividades que antes eram reservadas a
ricos. Os cruzeiros oferecem a oportunidade para milhões de pessoas se
deslocarem ao estrangeiro e conhecerem diferentes culturas. Isto tem o seu
mérito e merece ser reconhecido.
Mas o enorme crescimento da indústria está a degradar,
rapidamente, os seus destinos – os mesmos que promete serem do paraíso. O seu
sucesso financeiro continua a basear-se na sustentabilidade desses destinos. Se
a indústria de cruzeiros não assumir a obrigação de se auto-regular, então a
comunidade internacional tem a responsabilidade de intervir, tanto para os
habitantes locais desses destinos, que dependem do turismo, como para nós
mesmos, que como turistas queremos que haja um mundo para ver no futuro.
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