Os oceanos do mundo estão a “ferver”.
Cerca de 48% do oceano tem vindo a sofrer ondas de calor marinho durante
agosto, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (EUA), tornando-se
o ano mais quente para os oceanos desde que a manutenção de registros começou
em 1991. O calor pode ser sentido desde o Reino Unido, onde as águas costeiras atingiram
mais 9ºF (5ºC) do que o normal, até a Flórida, onde o Atlântico atingiu a marca
dos 90ºF (perto dos 35ºC).
Alistair Hobday, oceanógrafo,
biólogo e cientista, investigador da Commonwealth, disse: “A coisa mais
surpreendente em toda a minha carreira de 30 anos, é que as coisas que eu
pensava que aconteceriam em 50 ou 100 anos, estão já aí. E penso nas ondas de
calor como se fossem um alarme. Certamente, as pessoas devem senti-las como um
alarme.”
Hobday passou anos a analisar
dados para poder compreender o impacto das mudanças climáticas nos oceanos,
incluindo a temperatura. A sua investigação descobriu que as ondas de calor
marinhas ameaçam a biodiversidade global, o que por sua vez põe em perigo tudo,
desde a pesca à segurança alimentar e ao turismo. Em 2018, Hobday foi coautor
de um estudo publicado na Nature Communications que identificou um aumento de
54% de dias de ondas de calor marinhas entre 1925 e 2016 devido às alterações
climáticas.
Mais recentemente, a Organização
de Pesquisa Científica e Industrial da Austrália (CSIRO) e outros grupos de
investigação começaram a desenvolver formas de prever certas ondas de calor
marinhas, do tipo que resulta do movimento da água do oceano, versus alterações
na atmosfera. Escreveu Hobday na revista Nature esta semana: “Onde as
comunidades estiverem preparadas, os impactos poderão ser mitigados, pelo menos
parcialmente. Isso dependerá de se saber quais as regiões com maior
probabilidade de serem afetadas.”
A urgência da ameaça é também
a razão pela qual Hobday defendeu a designação das ondas de calor marinhas como
furacões. Sevilha, em Espanha, é um dos poucos locais com um processo de
nomeação de ondas de calor em terra, mas as pessoas “não têm noção da relação com
o oceano”, diz Hobday. “Dar-lhes um nome, ajuda a melhorar o conhecimento sobre
os oceanos ajuda a construir uma ligação com um evento extremo. Dar um nome aos
eventos ajuda-os a traduzir-se na experiência humana.”
A Bloomberg Green conversou
com Hobday sobre como funciona o calor marinho e quais os impactos observar.
Eis a entrevista condensada:
O que é uma onda de calor no
oceano?
Uma onda de calor marinha dura
mais de cinco dias e ocorre quando as temperaturas estão acima 10% das até à
altura atingidas naquele local. Não é um limite absoluto. Nalgumas partes do
mundo, estará dois graus acima da média, noutras, estará apenas um grau acima
da média. Noutros, ainda, pode ser de cinco graus, dependendo da variabilidade
obtida.
As ondas de calor duram mais
na água porque a água retém o calor por mais tempo que o ar. E podem levar à
mortalidade, em massa, de animais. No curto prazo, se você for um peixe ou um
golfinho, bastará nadar num outro lugar. Mas à medida que as ondas de calor se
tornarem mais longas e maiores, animais como o atum e os tubarões não
conseguirão nadar suficientemente rápido e chegar a águas frias porque, à
medida que a água aquece, retém menos oxigénio. Como precisam nadar mais
rápido, têm dificuldade em respirar.
Eis uma ótima analogia: parece-se
um pouco com alguém, que adaptado à vida ao nível do mar, tenta correr em
grande altitude. Uma onda de calor,
basicamente, leva-nos do nível do mar até grandes altitudes e alguém nos diz: “agora
começa a correr a maratona”.
E quanto ao impacto em
espécies como os corais?
Eles têm apenas um curto
espaço de tempo para sobreviver a esses eventos estressantes. À medida que a
onda de calor avança, tudo o que se não consegue mover – algas, corais, ervas
marinhas – é extinto localmente.
Quando se tem águas mais
quentes por um maior período de tempo, também podemos sofrer surtos de doenças,
já que as doenças se desenvolvem melhor em águas mais quentes. Também temos
proliferação de algas nocivas que ocorrem em ondas de calor mais longas e podem
tornar maior a prevalência de coisas como o ácido domóico
e envenenamento paralisante por marisco. Os humanos podem morrer ao comer
marisco contaminado com ácido domóico; o mesmo pode acontecer com aves marinhas
e focas.
Tudo isto leva a mortes em
massa e quanto mais longa e maior for a onda de calor, mais extremas serão as
mortes e mais afetada será a cadeia alimentar. Isso leva ao encerramento da
pesca e à perda de indústrias. Estas ondas de calor marinhas são uma visão do
nosso futuro e se não gostarmos desse futuro, é melhor entrar em ação.
Figura: As três
"bolhas" de água quente na costa norte-americana, desde o Alasca até
ao México, podem ser vistas neste gráfico datado de 1 de setembro de 2014.
Falando no futuro, conseguirão
os investigadores, cada vez mais, prever ondas de calor marinhas?
Existem alguns grupos em todo
o mundo que fazem previsões de longo prazo de ondas de calor marinhas, e que
apontam com dois, três ou até quatro meses de antecedência para onde esperamos
que esses eventos ocorram. A minha equipa em Hobart usa o aprendizado em
computação e modelos oceânicos – dois métodos – para ver onde se podem esperar
que as ondas de calor cheguem, com uma antecedência de cerca de três meses.
Podemos prever os grandes
eventos de ondas de calor marinhas devido ao movimento da água do oceano. O Blob
[na costa do Pacífico] era previsível. A onda de calor marinha no Atlântico era
previsível. A onda de calor marinha caribenha foi uma combinação do movimento
da água do oceano e de uma atmosfera quente. Mas vimos que ia ter pelo menos um
evento forte, virou extremo porque foi “cozinhado” pela atmosfera
Ainda estamos em fase de
testes, mas estamos muito perto de incluí-los como uma previsão do tempo na
internet, uma previsão de onda de calor marinha.
Qual é a vantagem desse tipo
de previsão de longo prazo?
Eliminará o elemento surpresa
das empresas, o que as ajudará a navegar nestes eventos arriscados. A indústria
de lagosta do Maine, por exemplo, pode decidir estabelecer acordos de compra
diferentes com os importadores canadianos, porque a pesca da lagosta no Canadá
e no Maine está um pouco fora de tempo – a temporada da lagosta, sem as alterações
climáticas, no Canadá, tendia a começar um pouco mais cedo e terminar mais cedo
do que no Maine. A onda de calor faz com que estas temporadas se comecem a sobrepor,
o que leva ao excesso de produto no mercado e à queda dos preços. Se houvesse
esse conhecimento, poder-se-ia gerir o negócio de forma diferente.
Se as autoridades estiverem a
promover um projeto de restauro, de mangais, ervas marinhas ou algas, talvez o possam
suspender até passar a onda de calor.
No caso dos incêndios
florestais na Austrália, por exemplo, se anteciparmos que uma área irá arder,
as pessoas poderão retirar espécies protegidas de peixes dos rios, colocando-as
em cativeiro durante um determinado período, sabendo-se que, depois do incêndio
florestal, todas as cinzas vão parar ao rio e os matarão a todos. Antes das
ondas de calor marinhas, podemos retirar sementes de ervas marinhas de uma área
antes da sua chegada e garantir que as temos prontas para serem colocadas de
volta, naquela área específica, para ser restaurada a biodiversidade. Se
recebermos um aviso sobre o futuro, poderemos fazer muitas coisas de forma
diferente.
À medida que a Austrália entra
no verão, o que prevê para a Grande Barreira de Corais?
Estamos a prever ondas de
calor marinho para a Grande Barreira de Corais neste verão, o que poderá, na
verdade, ser uma desgraça. É provável que a Grande Barreira de Corais fique,
novamente, lixiviada este ano. Isso me deixa preocupado. É um ícone da
Austrália. Faz parte da nossa identidade nacional.
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